*Terezinha Cotta, rc.

"Quando todos se retiram, Jesus assume a proposta de Deus: Ele veio para salvar e dar a vida e espera de nós pecadores o arrependimento e o compromisso com uma vida nova: 'Eu também não te condeno, vai e doravante não peques mais'.

"Este Evangelho questiona as famílias, as Igrejas cristãs e a sociedade: quando é que as pedras ficarão no chão e todos reconhecerão seus próprios pecados contra as mulheres, os empobrecidos, os indígenas, os negros, a população LGBT e todos os demais excluídos?"

O trecho do Evangelho de hoje (Jo 8,1-11), não pertence ao Evangelho de João. De fato, em alguns manuscritos ela apareceu após versículo 38 do cap. 21 do Evangelho de Lucas. Trata-se de uma tradição que foi reconhecida como inspirada por Deus, e para qual foi encontrado definitivamente um lugar, cujo ensinamento eloquente se tornou proverbial.

Estamos diante da insistente estratégia dos adversários de tentar colocar Jesus em contradição com a Lei de Deus para acusá-lo de blasfêmia. Para aqueles escribas e fariseus, na realidade, a mulher não era o foco principal, o que realmente queriam era encontrar motivos de condenação contra Jesus.

A acusação apresentada a Jesus causa indignação por ser parcial, porque o homem que cometeu adultério com ela está sendo poupado. De acordo com a Lei (Lv 20,10 e Dt 22,22-24), ele é tão culpado quanto ela, mas não foi levado a este julgamento.

A atitude de Jesus de silenciar e se inclinar e escrever no chão dá aos seus adversários tempo para reflexão... E ao se erguer ao invés de uma resposta a pergunta deles vem uma provocação: “Aquele dentre vós que nunca pecou atire-lhe a primeira pedra”. E inclina-se novamente e continua a escrever no chão.

O silêncio desconcertante, seguido por esta clara interpelação, leva aqueles homens e a nós também a uma maior profundidade nos julgamentos, ao reconhecimento de nossos próprios pecados e vulnerabilidades. Jesus, somente Ele, poderia condenar aquela mulher e não o fez. Ele foi para ela Boa Notícia, oportunidade de conversão e vida nova.

Quando todos se retiram, Jesus assume a proposta de Deus: Ele veio para salvar e dar a vida e espera de nós pecadores o arrependimento e o compromisso com uma vida nova: “Eu também não te condeno, vai e doravante não peques mais”.

O Pe. Adroaldo Palaoro, em um de seus comentários sobre o Evangelho dominical nos faz refletir sobre o movimento desumanizador que pode nos conduzir a “sociedade do desprezo”. Nesta sociedade o espírito da acusação e de humilhação do outro é um espírito de morte. Ele prossegue explicitando onde encontramos hoje as “pedras na mão”. São “as pedras do whatsapp, do twitter, das mensagens preconceituosas, das fake-news, que bloqueiam o futuro das pessoas através da crítica sem piedade, do desprezo que destrói, da indiferença que congela as relações”.

Neste ano de 2019 celebramos o dia 08 de março com um sentimento muito profundo de pesar e dor pelas numerosas notícias de feminicídio. Este Evangelho questiona as famílias, as Igrejas cristãs e a sociedade: quando é que as pedras ficarão no chão e todos reconhecerão seus próprios pecados contra as mulheres, os empobrecidos, os indígenas, os negros, a população LGBT e todos os demais excluídos?

Não se trata de eliminar os que erram ou de não aceitar diferenças, mas de superar as intolerâncias e as hipocrisias dos que se sentem perfeitos e apresentar o caminho da Misericórdia de Deus, uma possibilidade de vida nova. Esta misericórdia alcança os pecadores públicos, os marginalizados, os desclassificados para devolver a todos a dignidade.

*Religiosa da Congregação Nossa Senhora do Cenáculo. Ela possui graduação e mestrado em Teologia pelo Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus - CES. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br