Por Frei Gianfranco Maria Tuveri O. Carm

             Durante este ano muito se há de falar sobre Santa Teresinha do Menino Jesus. Um pouco por toda parte preparam-se celebrações numerosas, pelo mundo afora, para festejar o Centenário da sua morte acontecida no dia 30 de setembro de 1897. Teresa do Menino Jesus, na história deste século, mas sobretudo no coração de tantas pessoas de todas as classes, é tão importante que seria injusto não celebrar esta Centenário. Tais celebrações e iniciativas procurarão pesquisar toda a riqueza da personalidade e da mensagem da Santa de Lisieux.

            Com muita simplicidade apresento aqui um apanhado da sua vida e da sua mensagem, recorrendo à leitura de um texto redigido há cem anos e que conserva intactas toda a sua força e sua luz, um cimo culminante da literatura cristã de todos os tempos, cuja ponta é a expressão: "A minha vocação é o Amor!"

Uma vida sob o signo do Amor

             "A minha vocação é o amor!" Não é o clarão rápido de uma estrela, que desliza pela noite, mas o final lúcido de uma vida inteira, profundamente marcada pelo selo do amor. Com toques rápidos iremos relembrar algumas passagens da vida de Teresa, como a "Subida da Montanha do Amor".

            Desde a sua chegada a este mundo, Teresa foi cercada de um amor assinalado pela maior ternura. Ela própria o reconhece: "Toda a minha vida o Bom Deus teve o prazer de cercar-me de amor: as minhas primeiras lembranças estão repletas de sorrisos e das mais ternas carícias! Mas se colocou junto a mim muito amor, Ele pôs também no meu coração muito amor, fazendo-o amoroso e sensível e, por isso, eu amava demais a Papai e Mamãe e lhes testemunhava a minha ternura de mil maneiras, pois eu era muito expansiva".

            O dia da sua Primeira Comunhão é um dia de inesquecível amor. Sobre este dia escreverá: "Oh! Como foi doce o primeiro beijo de Jesus à minha alma! Foi um beijo de amor: sentia-me amada e dizia por minha vez: «Amo-vos e entrego-me a vós para sempre». Não houve pedidos, não houve lutas, não houve sacrifícios. Há muito tempo Jesus e a pobre Teresa haviam-se entreolhado e se haviam entendido... Naquele dia já não era mais um entreolhar-se e sim uma fusão, não eram mais dois: Teresa desaparecera como a gota d' água que se perde no seio do oceano".

            Pelo Natal de 1886, Teresa experimentou a força transformante do Amor divino. Eis como ela fala a respeito desta graça: "Num instante o trabalho, que não consegui fazer durante dez anos, Jesus o fez, contentando-se com a minha boa vontade, que nunca me faltou. Como os seus Apóstolos eu podia dizer-lhe: «Senhor, pesquei durante toda a noite e não peguei nada». Mostrando-se mais misericordioso para comigo do que para com os seus discípulos, Jesus mesmo apanhou a rede, lançou-a e a retirou cheia de peixes. Ele fez de mim «pescador de almas», senti um grande desejo de trabalhar na conversão dos pecadores, desejo que não tinha sentido antes tão vivamente. Senti, numa palavra, a caridade entrar no meu coração, a necessidade de esquecer-me de mim mesma para dar prazer, e desde esta hora fui feliz!..."

            No Carmelo, é sobretudo ao pé da cruz que Teresa prossegue na "Subida da Montanha do Amor". A sua correspondência com Celina durante o seu tempo de noviciado traz ressonâncias da dolorosa provação da doença do seu pai e, ao mesmo tempo, ressonâncias do crescimento da sua sede de amor. Qualquer uma das passagens das suas cartas estão inflamadas de amor. Citemos um texto apenas, uma passagem da carta de 15 de outubro de 1889: "Façamos da nossa vida um sacrifício contínuo, um martírio de amor, para consolar Jesus; ele não quer senão um olhar, um suspiro, mas um olhar, um suspiro, que sejam somente para ele! Que todos os instantes da nossa vida sejam somente para ele, que as criaturas não toquem em nós a não ser de passagem... Durante a noite não há nada a fazer senão uma só coisa, na única noite da vida que não virá a não ser uma só vez: e é amar, amar Jesus com todas as forças do nosso coração e salvar almas para ele, para que ele seja amado".

            No seu último retiro, de 7 a 18 de setembro de 1896, Teresa escreve o Manuscrito B. A 8 de setembro, ela comemora na solidão o sexto aniversário do dia em que professou. Parece-me importante ler uma passagem da oração que ela compôs no dia da sua profissão  e foi escrita num bilhete que ela trazia sempre sobre o coração: "Ó Jesus, meu Divino Esposo! Que nunca eu perca a segunda veste do meu batismo. Arrebata-me antes que eu cometa a mais leve falta voluntária. Que não procure e não encontre nunca senão a ti somente; que as criaturas não sejam nada para mim e eu não seja nada para elas, mas tu, Jesus, sejas tudo!... Que as coisas da terra nunca possam perturbar a minha alma, nada perturbe a minha paz; Jesus, eu não te peço senão a paz, e também o amor, o amor infinito, sem outro limite além de ti, o amor que já não seja mais eu mesma e sim tu, meu Jesus!"

            Os anos, em que Paulina foi Priora, foram um período de desabrochamento espiritual e humano para Teresa. "Ó minha Mãe! Foi sobretudo desde o dia abençoado da vossa eleição que eu voei pelos caminhos do amor!"

            Em 1893, Teresa escreveu novamente cartas ardentes de amor à sua irmã Celina: "O meu Diretor, que é Jesus, não me ensina a contabilizar os meus atos; ele me ensina a fazer tudo por amor, a não lhe recusar nada, a estar satisfeita quando me oferece uma ocasião de provar-lhe que eu o amo; mas é na paz, no abandono que isto acontece: é Jesus quem faz tudo e por mim eu não faço nada".

            E em 1895, no Manuscrito A, é assim que Teresa fala dos seus desejos: "Agora não tenho mais nenhum desejo, a não ser o de amar Jesus até à loucura..." Foi no Priorato da sua irmã Paulina e com a permissão dela que Teresa pronunciou o "Ato de Consagração ao Amor Misericordioso". É nos seguintes termos que ela fala a respeito, alguns meses mais tarde: "Este ano, no dia 9 de junho, Festa da Santíssima Trindade, recebi a graça de compreender mais do que nuca quanto Jesus deseja ser amado. Eu pensava nas almas, que se oferecem como vítimas à Justiça de Deus, a fim de desviar, atraindo sobre si, os castigos reservados aos culpados; esta oferta parecia-me grande e generosa, mas eu estava longe de me sentir levada a fazê-la. «Ó meu Deus!» - clamei do fundo do meu coração - «não existirá nada mais do que a vossa Justiça para receber almas que se imolem como vítimas? O vosso Amor Misericordioso não tem ele também necessidade delas?... Por todas as partes ele é desconhecido, rejeitado; os corações, dentro dos quais vós quereis derramá-lo prodigamente, voltam-se para as criaturas, mendigando-lhes a felicidade com a sua mísera afeição, em lugar de se lançarem nos vossos braços e aceitarem o vosso Amor infinito... Oh! Meu Deus! O vosso Amor desprezado vai permanecer só no vosso Coração? Acho que se encontrásseis almas que se oferecessem a vós como Vítimas de holocausto ao vosso Amor, haveríeis de consumi-las rapidamente, acho que ficaríeis feliz a ponto de não poderdes absolutamente reprimir as ondas de ternuras infinitas que em vós se encontram. Se a vossa Justiça gosta de descarregar-se, ela que não se estende a não ser sobre a terra, quanto mais o vosso Amor Misericordioso está desejoso de abrasar as almas, visto que a vossa Misericórdia se eleva até os Céus. Oh! Meu Jesus! Seja eu esta vítima feliz, consumi o vosso holocausto com o fogo do vosso Divino Amor!».

            Minha Mãe querida, vós que me haveis concedido a licença de assim oferecer-me ao Bom Deus, sabeis dos rios, ou antes, dos oceanos de graças que vieram inundar a minha alma... Ah! Depois daquele dia feliz, parece-me que o Amor me penetra e me envolve, parece-me que a cada instante este Amor Misericordioso me renova, purifica a minha alma e nela não deixa traço nenhum de pecado de tal modo que não posso ter medo do purgatório. Sei que por mim mesma não mereceria nem sequer entrar neste lugar de expiação, visto que somente as almas santas podem ter acesso a ele, mas também sei que o Fogo do Amor é mais santificador que o do purgatório, sei que Jesus não pode desejar para nós sofrimentos inúteis e me não inspiraria os desejos que sinto, se não quisesse realizá-los".

            O Ato de Consagração ao Amor Misericordioso é uma forma diversa, implícita ainda, mas não menos expressiva, da descoberta do mês de setembro de 1896: "A minha vocação é o Amor". Aí encontramos, de um lado, os mesmos desejos infinitos; de outro lado, o reconhecimento da pequenez e da impotência, o ato de se apropriar de todos os merecimentos de todos os santos do céu e da terra, o ato de esperança em Deus, que o suscita e lhe dá a segurança de que será atendida. Encontramos aí também a coexistência da possibilidade da experiência do pecado junto à confiança de que bastará um só Olhar do Bem-Amado para que seja transformada em Deus.

            Podemos repassar brevemente o itinerário deste Ato. Teresa começa por falar dos seus desejos infinitos, que não são eliminados pela experiência dos seus limites, mas confirmados pela certeza de que é o próprio Deus quem os suscitou. Então já não fala mais de desejos; baseando-se sobre a ação de Deus, ela daí em diante vai falar de esperança. O amor infinito de Deus não é mais um desejo, mas uma esperança: o que é uma virtude teologal, sinal da ação de Deus na alma, antes de ser movimentação da alma para Deus. Da esperança ela passa enfim para o ato de oferecimento, para a ação, para a expressão de uma vontade que se faz inteiro acolhimento da vontade de Amor de Deus, vontade que a ela se manifestou: "«Quero revestir-me de Jesus Cristo», de sua Justiça e de seu Amor. Não quero nada mais além de vós". E enfim o quer para sempre. É a conclusão do seu Ato de Oferecimento: "Quero renovar este Oferecimento um número infinito de vezes", por toda a extensão do tempo e pelo depois do tempo, pela eternidade. Teresa não quer sair mais deste Amor. É verdade que o Ato, ainda que repetido, é limitado no tempo e no espaço. Mas o Amor que ele encerra é eterno; como Oferecimento ao Amor Infinito este Ato é prelúdio e posse da Eternidade.

*Artigo publicado em Près de la Source  Les Grands Carmes en France  Bourges  Janvier - Février - Mars   1997  /  nº 4