A intervenção constante da Palavra de Deus obriga o profeta Elias a sair do lugar onde se encontra para o lugar onde Deus o quer: "Vai-te daqui!"(1R 17,2; cfr 1R 17,9; 18, 1.12.46; 19,7.11.15; 21,18; 2 R 1,3.15; 2,2.3.4.5.6.11). Elias deve caminhar. E invariavelmente a resposta é esta: "E Elias partiu e fez como Javé tinha mandado!"(1R 17,5; cfr 1R 17,10; 18,2.15; 19,8.13.19; 2R 1,4.15; 2,2.4.6). A Tradição Eliana da Ordem retomou esta ideia do ca­minho e começou a insistir no itinerário místico ou espi­ritual, realizado pelo profeta. Ela apresenta Elias como mode­lo do caminho que o carmelita deve percorrer para realizar o ideal do Evangelho tal como este está expresso na Regra.

Desde que se abriu à ação da Palavra, a vida de Elias é só movimento. Já não pode parar. Deve andar sempre. Sair de um lugar para outro:

* para a torrente de Karit(1 R 17,3),

* para Sarepta na Sidônia(1 R 17,9),

* para encontrar o rei Acab no Carmelo(1 R 18,1),

* para ir na frente do rei até Yisrael(1 R 18,46),

* para o Monte Horeb. (1 R 19,8),

* para continuar a missão e ungir Eliseu(1 R 19,15-16),

* para denunciar o rei na vinha de Nabot. (1 R 21,17-19),

* para Betel(2 R 2,2),

* para Jericó (2 R 2,4),

* para o Jordão(2 R 2,6).

Ele já não se pertence. Sua vida tornou-se uma despedida contínua. Um peregrinar constante em busca do que Deus queria dele. Elias viveu em estado permanente de êxodo! No fim, ele é arrebatado (2 R 2,11). Como tal, ele já era conhecido pelo povo: alguém totalmente disponível que, a cada momento, podia ser levado pelo Espírito para realizar a obra de Deus (1 R 18,12).

De um lado, a Palavra, que atinge Elias em todos os momentos da sua vida, tanto de clareza, de coragem e de decisão, como de confusão, de desânimo e de desencontro. De outro lado, o próprio Elias, que se abre, para que a Palavra tome conta dele e o leve por caminhos dos quais ele mesmo nem sempre conhece o trajeto nem percebe o alcance.

O caminhar de Elias não é só geográfico, mas atinge todos os níveis da vida: o nível pessoal e comunitário; o nível das instituições tanto econômicas e sociais, como políticas e religiosas; o nível da cultura e dos valores básicos da vida. A palavra que o chama e convoca inicia nele e através dele um processo de mudança e de transformação que abrange tudo e que continua até hoje.

A idéia do caminho, presente tanto na Bíblia como na Tradição Carmelitana, é capaz de inspirar nossa vida hoje. A situação de onde Elias devia partir era uma situação de crise, tanto econômica social e política, como ideológica, cultural e religiosa. Ora, foi exatamente neste momento de crise aguda que a Palavra de Deus se fêz presente na vida do povo, chamando Elias:

"Saia daqui, dirija-se para o oriente e esconda-se junto ao córrego Karit,

que fica a leste do Jordão. Você poderá beber água do córrego.

Eu ordenei aos corvos que levem comida para você"

(1 R 17,3-4).

É dificil reconstruir a cronologia exata da caminhada de Elias. Também não é tão importante para o nosso objetivo. As histórias de Elias não eram usadas como relatórios de viagens, mas sim como símbolo e paradigma do itinerário místico do carmelita. Sete pontos merecem atenção. Sete janelas, sete espelhos.

  1. Elias, o homem do deserto

A experiência do deserto marcou a caminhada de Elias. Ele enfrentou o deserto de Karit(1 R 17,5), o deserto de Beersheba(1 R 19, 4), o deserto de Horeb(1 R 19,8). Deserto, não só como lugar geográfico, mas também como experiência interior. Elias teve momentos de não saber, de estar perdido, de ter medo, de achar que tudo estava terminado, de querer fugir e morrer, de pensar só em comer e dormir.

O deserto interior manifestou-se sobretudo no fato de ele procurar a presença de Deus nos sinais tra­dicionais (terremoto, vento, fogo) e de descobrir que estes sinais já não revelavam mais nada a respeito de Deus. Eram lâmpadas que já não acendiam. Quem o procurasse por aí, já não o encontraria(1 R 19,11-12).

O deserto era também o lugar da origem do povo, da volta às fontes em época de crise, onde se recuperavam a memória e a identidade; o lugar para onde o povo escapou para a liberdade, onde morreram os restos da ideologia do faraó, e onde o povo se reorganizou; o lugar da longa caminhada, quarenta anos, onde morreu uma geração inteira; o lugar do murmúrio, da luta, da tentação e da queda; o lugar do namoro, do noivado, da experiência de Deus, da oração. O deserto fez Elias se reaproximar da origem do povo. Os 40 dias lembram os 40 anos.

No deserto Elias experimentou os seus próprios limites. Não chegou a perder a fé, mas já não sabia como usar a fé antiga para enfrentar a situação nova. Foi o momento de viver e sofrer a crise do próprio povo. Por isso mesmo, ao superar a sua crise pessoal e ao reencontrar a presença da Deus para si mesmo, ele estava redescobrindo o sentido de Deus para a vida do povo.

A experiência do deserto marcou para sempre a vida dos primeiros eremitas do Monte Carmelo. Saindo da Palestina, levaram o deserto consigo, dentro de si. Vivendo na Europa, reencontraram o deserto, não na vida regular dos grandes mosteiros independentes e autosuficientes, longe das cidades, mas sim na vida pobre dos Mendicantes.

  1. Elias, o homem da brisa leve

Atravessando o deserto de Beersheba, Elias entrou no deserto da montanha de Deus, o Horeb(1 R 19,8). Lá ele ouviu a pergunta: "Elias, que fazes aqui?" E ele respondeu, por duas vezes:

"O zelo por Javé dos exércitos me consome,

porque os israelitas abandonaram tua aliança,

derrubaram teus altares e mataram teus profetas.

Sobrei somente eu, e eles querem me matar também"

(1 R 19,10.14).

Existe uma contradição entre a resposta e a realidade vivida, entre o discurso e a prática de Elias. Conforme o discurso ele é o único que sobrou; mas havia sete mil(1 R 19,18). Conforme o discurso ele está cheio de zelo; mas a prática mostra um homem medroso que foge(1 R 19, 3). Conforme o discurso ele sabe analisar o fracasso da nação; mas na prática não sabe analisar o seu próprio fracasso. Elias não se dá conta de que a situação de derrota e de morte em que se encontra é o lugar onde Deus o atinge, pois não percebe a presença do anjo que o orienta. Ele só pensa em comer e dormir(1 R 19,6)

O olhar de Elias está perturbado por algum defeito que o impede de perceber a realidade tal como ela é: ele se considera dono da luta contra Baal (e não é); acha que sem ele tudo estará perdido (e não esta­rá); pensa que Deus sai perdendo caso ele, Elias, for derrotado (e Deus não sai perdendo). Qual o defeito nos olhos de Elias? Qual o defeito em nossos olhos hoje? A resposta está na história da Brisa Leve.

A expressão "Brisa Leva" traduz o hebraico: “qôl demamáh daqqáh”. Literalmente: “voz de calmaria suave”. A palavra hebraica, demamáh, usada para indicar a calmaria vem de uma raiz, DMH, que signi­fi­ca parar, ficar imóvel, emudecer. A brisa leve indica algo, um fato, que, de repente, faz emudecer, faz a pessoa ficar calada, cria nela um vazio e, assim, a dispõe para escutar; provoca nela uma expectativa.

A "Brisa Leve" não deve ser entendida no sentido romântico de uma brisa suave no fim da tarde, mas sim no sentido de algo que, de repen- te, fez desintegrar tudo que Elias pensava e vivia até àquele momento. Ela indica o impacto de algum fato que o obrigou a uma mudança radical e o levou a uma visão totalmente nova das coisas. É como diz a poesia:

"Diante da vida do povo sofrido, a gente não fala, só sabe calar.

Esquece as idéias do povo sabido, e fica humilde, começa a pensar".

Qual foi a "brisa leve" que provocou tudo isto na vida de Elias? O texto não o diz expressamente, mas sugere que foi a descoberta dolorosa de que Javé, o Deus de Israel, já não estava nem no vento, nem no terremoto, nem no raio! (Os sinais tradicionais da manifestação de Deus). Deus já não era como ele, Elias, o imaginava. Elias descobriu que, apesar de toda a sua fidelidade e luta pela causa de Javé, ele estava lutando por algo que já não era a causa de Javé!

Deus se fez presente na ausência! A luz apareceu na escuridão! A voz de calmaria suave era o silêncio de todas as vozes! Elias descobriu que ele estava errado. E descobrindo que estava errado, descobriu coisa certa! A "Brisa Leve" é a noite escura da experiência mística; é o sair de si para se encontrar. Ela derrubou tudo e abriu o espaço para uma nova experiência de Deus que, aos poucos, foi penetrando na vida de Elias e o levou a redescobrir sua missão na reconstrução da Aliança.

*FOCAL- IV. MIRAFLORES- LIMA PERU (1 a 15 de agosto de 1998)