Afonso Maria de' Liguori,[2]

             A devoção a Maria elevada por Deus à suprema dignidade de Mãe, Mestra e Medianeira do universo apareceu, ainda em vida dos Apóstolos, como pequeno rio junto ao cristianismo, e com o cristianismo alargou-se e espalhou-se pela terra inteira.

            Ao coro unânime dos séculos a aclamarem Maria une-se o ardente amor dado a Mãe de Deus pelos Carmelitas; ou, antes até, a devoção do Carmelo é a primeira na ordem do tempo, e a mais antiga devoção mariana. Devoção que nos filhos do Carmelo se abrasou sempre mais quando nas suas dificuldades a Ela recorreram e nunca em vão.

            Os Carmelitas têm em Maria uma Mãe, que em seu favor parece esgotar todos os recursos do seu amor maternal. Prova disto é o dom do Escapulário, precioso sinal da sua predileção e da nossa consagração ao seu serviço. Quem está revestido do Santo Escapulário descansa tranqüilo no colo de Maria e, abaixo de Deus, deposita em Maria a esperança da própria salvação. Uma devoção, que se arraigou profundamente no povo católico e na qual, como em límpida fonte, se dessedentaram os Santos mais excelsos.

Neste artigo citaremos Santa Teresa de Jesus.

            Não faltaram no passado nem faltam em nossos dias escritores e hipercríticos adversários do Escapulário. "O argumento onde mais se refugiam e que alguns dos nossos adversários costumam aduzir é o silêncio dos antigos, especialmente de alguns Santos, que no alvitre deles deviam ter falado sobre a devoção ao Escapulário, e de Santa Teresa de Jesus, sobretudo, que como Reformadora do Carmelo e amante das suas glórias, segundo eles, parece que devesse estar obrigada a fazer o elogio do Escapulário ou, quando menos, escrever algumas linhas sobre este penhor de salvação, para recomendá-lo aos fiéis. Mas, no dizer deles, nada disso fez ela: e daí tiram a conclusão de que, no tempo dela, na Espanha, não se falava sobre o Escapulário"[3].

            Em primeiro lugar é justo observar que Santa Teresa nos seus escritos, verdadeiras obras-primas de espiritualidade cristã, manifestou muitas vezes o palpitar do seu coração enamorado pela Rainha do Carmelo. Ilude-se, portanto, quem nas suas obras - seja nas maiores como "Caminho da Perfeição" ou "O Castelo Interior", seja nas menores - pretende encontrar amplos tratados ou louvores do Escapulário e das outras práticas da piedade cristã. Nem deve isto causar maravilha. Obrigada a escrever por determinação da obediência ou por urgentes motivos de utilidade, a Santa o faz a intervalos, visto ser impedida pelas circunstâncias e ocupações onde a mergulham as suas extraordinárias atividades, e ela, além disso, não espalha nos seus escritos todos os tesouros que enchiam o seu coração. A própria devoção à divina Mãe não é tratada ex professo por Santa Teresa: ninguém, contudo, ousaria duvidar da ternura do seu amor a Maria e da sua devoção ao Santo Escapulário.

            Como dissemos, o Escapulário é o hábito dos Carmelitas, a libré que os consagra à filiação de Maria, o sinal da sua proteção. Santa Teresa não o ignora! Com insistência repete que a sua Ordem é a Ordem da Virgem, e nas graças que pede ao rei Filipe II e ao Geral João Batista Rossi para levar a feliz cumprimento os desígnios que alimenta no seu coração, manifesta a esperança de que os seus desejos se satisfaçam porque a Ordem pela qual se afadiga é a Ordem de Maria (carta 74-77), porque a Virgem Santíssima é a sua Mãe, Padroeira e gloriosa Senhora (carta 13).

            É de se notar ainda que no tempo da Santa a devoção pelo Escapulário era na Espanha tão comum e popular que o Pe.José Falcone de Placência podia, em 1595, escrever: "Hoje em dia (a devoção ao Escapulário) floresce na Espanha, onde não há casa, onde não se leve o hábito do Carmo a fim de se gozar das infinitas Indulgências carmelitanas. Ambas as filhas do rei Filipe com todas as suas damas de honra trazem, na Espanha, o hábito de Nossa Senhora do Carmo amplo e comprido igual ao dos Padres da Ordem, que lhes foi dado pelas próprias mãos do Revmo. Geral João Batista Rossi. Não parece toda a Espanha, Portugal inclusive, um convento carmelita? Todos querem ser revestidos com estas armaduras como válida arma contra enfermidades corporais e espirituais. Em toda a Espanha há conventos carmelitas e inumeráveis companhias carmelitanas"[4].

            Nem se pode acreditar que, ainda que não sentisse precisar de enaltecer a devoção do Escapulário porque já estava tão difundida e profundamente sentida pelos fiéis, Santa Teresa deixe de recordar nas obras saídas da sua pena ardorosa este penhor do amor, que nos tem Maria. Freqüentemente fala sobre o Escapulário, ora chamando-o com o nome de hábito ora com o próprio nome de escapulário. Na verdade o hábito de que se gloriava de trazer consigo como "indigna carmelita" assegura-lhe a proteção da Virgem no cumprimento dos compromissos a ela impostos pela obediência; e ao entregar-se a escrever o "Castelo Interior" e as "Fundações" põe a confiança na ajuda daquela de cujo hábito está revestida: "Visto que não me é possível não ser quem eu sou, não me resta senão apoiar-me na sua clemência e confiar nos merecimentos do seu Filho e da Virgem, sua Mãe, cujo hábito carrego indignamente" (Castelo Interior - cap.I). Começo em nome do Senhor, com a ajuda da sua gloriosa Mãe, cujo hábito, embora indigna, carrego" (Fundações - Prólogo). Para o Serafim de Ávila a devoção ao hábito da Santíssima Virgem é vida que se manifesta no agir para dar gosto a Deus e a Maria: "Praza a Deus que seja tudo para o seu louvor e sua honra e para o louvor e a honra da Gloriosa Virgem Maria, cujo hábito carregamos" (Autobiografia - cap. 36); é vida que se manifesta, além disto, no zelo pela perfeição: "Esforcemo-nos, filhinhas minhas, por imitar ao menos em alguma coisa a humildade da Santíssima Virgem, cujo hábito nós trazemos" (Caminho da Perfeição - cap.13); vida que se manifesta especialmente na esperança de uma santa morte: "Tanta paz e tranqüilidade eu vi também em outras religiosas depois daquela (...). Espero na bondade de Deus, pelos merecimentos do seu Filho e da Gloriosa sua Mãe, cujo hábito nós levamos, que esta graça seja concedida a nós também" (Fundações - cap.16).

            Eis como Santa Teresa ama o seu hábito. Repete com insistência que o seu hábito é o hábito de Maria e faz entrever a sua devoção pelo dom preciosos do Escapulário, já no seu tempo objeto de veneração por parte dos fiéis. E escrevendo ao Pe. Graciano, pelos anos de 1585, ela lhe diz: "Muito me alegro com a sua carta, que esta noite me entregaram com os Escapulários (...). A duquesa voltou a escrever-me (...). Depois de amanhã partirão para Madri. Encaminharei os negócios de Vossa Reverendíssima. De edificação são os Escapulários, despertam devoção. Dom Francisco (sobrinho da Santa) mandou pedir um a sua irmã" (Carta 395; tomo 55 da Biblioteca de Autores Españoles p.311).

            Portanto, bem podemos dizer que à vasta e fervorosa devoção ao Escapulário não podia o grande Serafim do Carmelo deixar de corresponder com acentos de amor e de veneração.

    [1]. Ibid  p.111-114

    [2]. Il Monte Carmelo  1938  p. 42-45

    [3]. P. Florenzo del Bambino Gesù OCD em Il Carmelo - Tradizione e storia   Cremona  1930  p.311.

    [4]. Pe. José Falcone Chronica Carmelitana  Placência  1595  p.506-507