Frei Meesters O.Carm.,

DEFINIÇÃO SACRAMENTAL

Sacramentais são objetos materiais ou atos, que, “ex opere operantis”, isto é quando o recipiente pedir para si esta graça, mediante uma ação positiva de devoção, operam a graça que representam e que pela Igreja lhes foi anexa (Cfr. Simar: Dogmatik, II, pg. 812)

O Sacramental, portanto, envolve mediação da graça e cooperação da parte do sujeito. Na primeira parte trataremos da mediação da graça, ou com outras palavras: a relação Deus-homem; na segunda parte a COOPERAÇÃO DO SUJEITO, ou com outras palavras: a relação homem-Deus. Em seguida acrescentaremos para cada parte a aplicação à devoção do Escapulário.

A MEDIAÇÃO DA GRAÇA PELO SACRAMENTAL DO ESCAPULÁRIO

A Igreja instituí o sacramental e o usa para, por meio dele, indicar e dar a graça. Ela, em virtude do seu poder sacerdotal de distribuir graças, liga esta graça a determinados sinais visíveis, assim como Cristo o fez nos Sacramentos. A Igreja já faz isso “in aliquam imitationem Sacramentorum” (can. 1144). A Diferença essencial entre o Sacramental e o Sacramento consistente no sinal, sendo o sinal do sacramental caracterizado pelas disposições exigidas do sujeito.

Também o sinal material do sacramental significa graça, tanto quanto o do Sacramento. O Sacramento significa graça santificante, enquanto o Sacramental, porem, significa a graça atual. Assim por exemplo a ablução com água no Batismo significa a purificação do pecado na alma. Este ato de ablução ao mesmo tempo opera o que significa. O mesmo se dá também com o Sacramental: ele significa e opera (Este “operar” será mais tarde mais detalhadamente descrito e limitado na segunda parte).

QUAL É, POIS, A GRAÇA SIGNIFICADA PELO ESCAPULÁRIO?

Isso deveremos deduzir: a) da significação do seu sinal exterior, sua matéria, que é uma veste; e b) da declaração da Igreja, porque um Sacramental como órgão da Igreja só pode significar e operar aquela graça que a Igreja lhe quer anexar. por isso, as nossas conclusões deduzidas da significação da veste deveremos conferi-las com as intenções da Igreja.

A VESTE COMO SINAL DE SACRAMENTAL

Qual é o primeiro significado da veste? Nenhum outro senão cobrir, preservar contra o frio, contra o calor, contra a concupiscência. Assim como derramar água sobre alguém se faz antes de tudo para a purificação, assim se usa também o Escapulário antes de tudo como proteção contra influências de fora. Julgamos que uma proteção sobrenatural não poderá ser significada de maneira mais simples, mais evidente e universalmente mais humana do que por uma veste.

Se, pois, a veste deve simbolizar e caracterizar uma determinada graça, então esta graça dever ser de proteção, de proteção contra influências malsãs na vida sobrenatural.  Cada sacramental ou sinal de sacramental, imprime um determinado caráter na graça que opera. No Escapulário este caráter deve ser proteção.

A matéria só, porém, não constitui o sinal completo. Também as palavras pronunciadas, ao aplicar a matéria, tem significação. Elas fazem do sinal geral um sinal aplicado, do “signum remotum” . Deve-se frisar expressamente, que o Escapulário, como sinal, isto é, enquanto duma maneira geralmente humana e, por conseguinte, remota, simboliza proteção, aplica-se perfeitamente o mesmo processo. Entretanto, se bem que o Escapulário, puramente como matéria, já duma maneira suficiente signifique o caráter especial desta graça atual, esta força de significação ainda é mais intensificada pelas palavras que a Igreja pronuncia ao aplicar a matéria.

Em todas as orações da fórmula de imposição também pelas palavras é expressamente significado, que aqui se trata de graças de proteção.

Na primeira oração vem expressamente indicada esta graça especial: “... que ele (ela) protegido pela intercessão da Mãe de Deus, persevere na Vossa graça até a morte”. A segunda oração diz a mesma coisa da maneira seguinte: “... afim de que possais vesti-lo sem mancha e ele vos proteja contra toda a adversidade”. A terceira e última oração exprime a proteção na hora da morte. Até aqui sobre o simbolismo da proteção.

Pensamos, entretanto, que esta proteção ainda goza de um cunho todo particular, a saber, de intimidade: a proteção dada por Maria é íntima, não denotando altivez.

Achamos que este particular não se deduz somente dos autores da nossa Ordem, mas que também está incluído na significação natural da veste. Cristo e São Paulo não puderam encontrar imagem melhor do que a imagem da veste para significar a cordialidade e a intimidade com Deus, a qual resulta da graça. No Antigo Testamento é esta imagem repetida constantemente para significar que o homem é atingido profundamente por alguma coisa. Assim como a veste batismal simboliza o revestir-se de Cristo, assim simboliza o Escapulário de um modo igualmente natural e com o mesmo direito: “o revestir-se de Maria.” Nada atinge mais profunda e intimamente a alguém – tratando-se de coisas exteriores – do que suas vestes.

Julgamos, portanto, que não devemos hesitar em atribuir à veste do Escapulário uma dupla força de significação: proteção e intimidade, ou melhor proteção que ao mesmo tempo é íntima.

A VESTE DO ESCAPULÁRIO COMO ÓRGÃO DA IGREJA.

O Escapulário, ou mais exatamente, a imposição do Escapulário, é como sacramental, um órgão da Igreja e como tal não pode operar outras graças do que as que a Igreja lhe quer anexar.

Daí a seguinte pergunta: A Igreja de fato liga a raça especial de proteção a este sinal, como nós achamos dever-se concluir da força natural da significação da veste? Agora, portanto, segue o controle do qual falamos no começo.

Depois de ter dito que na devoção do Escapulário não se trata dum negócio de somenos importância, o Papa alega como motivo disso: “Na verdade, o Santo Escapulário é como que o hábito mariano, o sinal e penhor da proteção da Mãe de Deus. “Quase todos os pronunciamentos eclesiásticos fazem como que esta proteção, como conseqüência deste sacramental, principalmente culmine numa proteção na hora da nossa morte e depois da nossa morte, no purgatório.

Por isso não podemos duvidar de que, tanto da parte do sinal como da parte da Igreja, verificam-se todas as condições para conseguirmos uma graça especial de proteção por meio de devoção do Escapulário.

Resta-nos, pois, fazer umas considerações sobre as condições às quais deve satisfazer o sujeito, para efetivamente participar desta graça.

A COLABORAÇÃO DO SUJEITO NA DEVOÇÃO DO ESCAPULÁRIO

Depois de termos tratado da mediação da graça, isto é da relação Deus-homem, segue agora o tratado da relação homem-Deus. O que deve fazer o homem? Nos Sacramentos é suficiente a intenção (sob uma ou outra forma) para receber o Sacramento. Além disso, não pode haver obstáculos para a graça. Basta o contato pela intenção e a graça corre por si mesma. Tudo vem de Deus. No Sacramento a tomada de contato pela intenção é suficiente. A graça aqui não começa a correr por si mesma, mas deve ser implorada por uma ação positiva de devoção. Nos Sacramentos, portanto, o homem é passivo, no sacramental é também ativo.

Tanto para o Sacramento como para o Sacramental é, pois, exigida a intenção, a tomada de contato, como também o não por obstáculos. No Sacramental é, além disso, exigida a devoção, a dedicação. e por ser esta devoção a diferença essencial no que toca ao sujeito no Sacramento e no Sacramental, falaremos: a) sobre a DEVOÇÃO no Sacramental do Escapulário e b) sobre as diferentes formas sob as quais se manifesta esta devoção no Sacramental do Escapulário.

A DEVOÇÃO NO SACRAMENTAL DO ESCAPULÁRIO

“Devotio” é a prontidão em se entregar ao serviço de Deus (ou de um Santo). Se faltar esta dedicação, falta um elemento essencial ao Sacramental, e não se nos comunica a graça, porque então ou não se realiza o Sacramental, ou (caso se trata de um Sacramental permanente, como é o Escapulário) porque o Sacramental não pode operar.

Esta devoção não precisa ser necessariamente atual, se bem que isto naturalmente seja o mais perfeito. Assim como qualquer ato humano é um ato plenamente humano, desde que é praticado em virtude dum ato que virtualmente perdure, assim também se verifica o mesmo em relação à devoção, que se exige para o Escapulário. Se de vez em quando fazemos o ato de consagração, toda a nossa vida virtualmente permanece num estado de consagração, e satisfazemos assim de nossa parte às condições exigidas para o Sacramental do Escapulário. Já que Deus (a Igreja) não falha, a graça especial nos será comunicada com certeza infalível.

Mas o que dizer então da devoção 1) das criancinhas, 2) das pessoas que vestem o Escapulário sem atenção, 3) dos pescadores?

A DEVOÇÃO DAS CRIANCINHAS. 

As criancinhas não podem ter devoção. Falta, portanto, uma condição essencial para a operação do Sacramental e, por conseguinte, o Escapulário como Sacramental não opera nestas crianças.

Mas dirão: 1º a Igreja reza sobre tal criança quando lhe impõe o Escapulário. Tal oração então não tem eficácia? E 2º a Igreja de fato impõe o Escapulário às crianças; será que esta prática então não tem sentido? De fato, a criança recebe favores em virtude destas orações da Igreja, por exemplo proteção contra perigos naturais. Isto, porém, não pode constituir a graça característica do Sacramental: em primeiro lugar, porque não se pode falar de proteção contra o pecado, enquanto a criança não chegar ao uso da razão; em segundo lugar porque não se efetua nenhum Sacramental faltando-lhe uma condição necessária, a saber a devoção do sujeito. Visto que a oração, porém, sempre produz algum efeito, devemos atribuí-lo também a esta oração da Igreja. Este efeito equivale então ao de qualquer outra oração da Igreja, independente do Sacramental.

A imposição do Escapulário tem verdadeiramente sentido. Pois da parte da Igreja foram cumpridas todas as condições: aplicou-se a esta pessoa o sinal do Sacramental. Enquanto depende da Igreja, a graça pode ser comunicada. Tão logo a criança por sua vez da sua parte fizer o necessário, será completado o Sacramental. A criança, portanto, está potencialmente muito mais próxima a estas graças especiais do que alguém a quem não tenha sido imposto o Escapulário. Pois para este último, nem sequer foram cumpridas as condições por parte da Igreja: a aplicação do sinal da graça. Na criança a metade já está cumprida. Já vive sob o “signum”. Ela possui a graça especial em potência próxima.

PESSOAS QUE USAM O ESCAPULÁRIO SEM ATENÇÃO

Quanto a estas pessoas o operar ou não operar da graça depende do grau da “falta de atenção”. Se o ato de consagração é feito tão frouxamente, que ma se pode falar duma vida de consagração, o Sacramental então não operará continuamente, mas somente ao ser feito o ato e durante o período em que perdurar este ato. Quando não houver mais nenhuma ação da parte do sujeito, também não será mais comunicada nenhuma graça.

OS PECADORES[1]

Os pecadores são capazes de receber graças atuais. Além disso, continuam a ser membros da Igreja, de maneira que os órgãos da Igreja podem atuar sobre eles. Finalmente eles podem ter a intenção de receber o Sacramental e são capazes de atos de devoção. O Escapulário pode, por conseguinte, a graça atual do Sacramental será dirigida para a graça sacramental, como aliás, São Tomás admite para todas as graças dos Sacramentais.

DIFERENTES FORMAS SOB AS QUAIS SE MANIFESTA A DEVOÇÃO.

A devoção é, pois, o ato essencial do sujeito e como tal depende também subjetivamente das diferentes disposições dos sujeitos. Estas diferenças ficam fora do âmbito do Sacramental tão só exige devoção em geral. O homem pode revestir esta devoção de diferentes maneiras, atuando ela então logo independentemente do Sacramental. Posso por exemplo encarar a minha consagração como sendo a consagração dum filho à sua mãe; outro se consagra como um escravo à sua senhora, como um servidor à sua patroa (como principalmente se fazia na Idade Média), etc. Posso considerar meu Escapulário como o uniforme de Maria, como um distintivo que facilmente de recorde minha consagração, etc. Tudo isto não tem nada a ver com o Sacramental do Escapulário, embora seja muito bom e muito útil. Tais considerações de caráter pessoal constituem de certo um poderoso auxílio para conservar e intensificar a devoção (consagração) necessária ao Sacramental. Quanto a esses diversos modos pessoais de encarar o Escapulário, encontra-se material abundante e precioso na literatura da nossa Ordem. Uma mais ampla explanação desta matéria cai fora do âmbito do Sacramental. Pode-se, porem, encontrá-la em outros lugares.

Já dissemos que às crianças e às pessoas que usam o Escapulário sem atenção, somente se comunica a graça do Sacramental, tão logo pela primeira vez ou novamente façam o ato de devoção. Porque tal ato tão simples de devoção não é suficiente para pessoas que, por zombaria ou incredulidade tenham deixado de usar o Escapulário? Pois a tais pessoas deve de novo ser imposto o Escapulário.

A razão nos parece o seguinte: Tratando-se de crianças ou de pessoas que usam o Escapulário sem atenção, da parte da Igreja persiste a condição cumprida: elas continuam incorporadas neste órgão eclesiástico de salvação, se bem que a atuação relativamente a estas pessoas seja somente potencial. Os zombadores e incrédulos, porém, se separaram positivamente deste órgão eclesiástico, assim como por um ato contrário à fé da Igreja o membro se separa de toda a Igreja. Para tais pessoas requer-se, portanto, uma nova incorporação neste órgão especial.

visto que o Sacramental do Escapulário somente concede graças, enquanto é órgão da Igreja, segue uma promessa ou aparição, como tal, não pode constituir nenhum Sacramental. Não há distribuição de graça sacramental sem a intervenção da Igreja. Somente Ela determina quando e como esta graça do Sacramental será concedida. Atribuir tal poder a Nossa Senhora durante uma aparição é impossível. Tal aparição, quando muito, pode ser ocasião para a Igreja Instituir determinado Sacramental baseando-se em Fundamentos Dogmáticos. A historicidade do fato neste caso é de importância secundária. 

[1]Nota do org. Devido a popularidade do Escapulário, muitas pessoas se perguntam qual a validade, ou  o porque do uso  do mesmo por parte de muitos “Devotos” que não tem nenhum vínculo com a espiritualidade carmelitana e, ainda mais, com  a mensagem do Evangelho. Uma vez  ou outra nos deparamos com imagens de seqüestradores na  tv ou em jornais com o Escapulário no pescoço. As vezes nos assustamos com tal  “sentimento religioso” destes e de outros. Sem dúvida alguma, para  tais  “devotos”  usar o Escapulário não passa de um modismo ou de um sentimento que não condiz com a espiritualidade Mariana  nem com a Boa Nova do Evangelho que nos coloca a vida em abundância como objetivo principal de qualquer relacionamento com o sagrado.