Frei Vinicius (Ex-Frade Carmelita. Tese  Capítulo I TCC)

             A Ordem Carmelita surgiu na Palestina em meados do século XII, período das cruzadas à Terra Santa. Naquela época à Igreja passou por uma situação de profunda crise. As mudanças sociais, econômicas e políticas, desenvolveram uma série de transformações que repercutiram profundamente na organização eclesiástica. Neste contexto um grupo de homens, provavelmente cruzados europeus, instalaram-se no Monte Carmelo, lugar onde habitou o profeta Elias, e seguindo o exemplo do profeta buscavam viver uma vida acética e orante dentro do espírito eremítico já existente na época. Naquele momento com a efervescência da vida eremítica-cenobítica e religiosa, embora os conflitos entre os cristãos e mulçumanos na terra santa dificultaram a prática desta vida, os eremitas decidem ter uma organização mais sólida e pedem, entre 1206-1214, a S. Alberto, patriarca de Jerusalém, que lhes escrevesse uma “vitae formula” (Formula ou norma de Vida) segundo o propósito do mesmo grupo, que ficou sendo chamado de Carmelitas.

            O tipo da norma de vida Albertina é o eremítico, mas com elementos comunitários. A mesma “Norma” apresenta-se como codificação do modo de viver dos primeiros carmelitas, seguindo uma dinâmica na qual Santo Aberto se baseia para propor uma opção vital para eles no contexto da “reformatio Ecclesiae” (reforma da Igreja).

            Devido à instabilidade política na Palestina, conflitos e força dos sarracenos no controle da situação, no ano de 1238 os carmelitas emigraram para a Europa, uma decisão tomada “não sem pena e nem sem aflição de espírito” (cf. bula de Inocêncio IV, 27 de julho de 1247). Fundaram-se assim diversas comunidades religiosas carmelitas em diferentes países da Europa como: Inglaterra no ano 1242, França entre 1242 e 1248. Diz-se que após o fracasso de sua cruzada, São Luiz, rei da França, voltando para Paris trouxe consigo os carmelitas que ali se estabeleceram.

A partir desta nova realidade de vida os carmelitas inseridos na Europa passam por diversos momentos de adaptação ao novo contexto. Ao invés de grutas no Monte Carmelo eles foram obrigados a instalarem-se em conventos dentro das cidades sendo inseridos no contexto de religiosos mendicantes da época. A Ordem teve muitas lutas até conseguir seu pleno reconhecimento como instituição aprovada pela Igreja, o reconhecimento definitivo foi aperfeiçoado por João XXII (1317 e 1326) com extensão aos carmelitas dos mesmos direitos dos dominicanos e franciscanos. Como mendicantes os carmelitas assumiam as seguintes atividades pastorais:

- celebração de missa, sacramentos.

- pregação doutrinal e popular (com caráter ainda itinerante) na própria igreja e em qualquer lugar.

- o cuidado de confrarias (confraternidades), de associações, ordens terceiras.

- ensino universitário.

- a propagação da devoção mariana.

- direção ou guia espiritual.

- a atividade paroquial, que é assumida pelos carmelitas ao final do século XIII. As primeiras paróquias foram: Bolonha em 1293; Ferrara 1295; Roma, S. Martinho ai Monti, 1299.

            Além dessas assistências ao povo, introduzidas nesse período, os carmelitas traziam consigo a regra de vida dada por S. Alberto que lhes orientavam em suas rotinas diárias e na organização conventual, na qual lhes diferenciavam das demais ordens da época. Essas características perduraram durante toda a existência desta Ordem até os dias de hoje.

            Em Portugal os carmelitas fundaram seu primeiro convento na cidade de Moura pelo ano de 1250, que segundo as tradições foram os Militares de São João que os trouxeram da Palestina para Portugal, onde por mais de um século foi seu único convento em terras lusitanas.

            Nuno Álvares Pereira, Condestável de Portugal e herói nacional, nas suas campanhas militares, ficou conhecendo os Carmelitas em Moura. Impressionado com a piedade e devoção mariana destes monges, ofertou a estes o magnífico mosteiro e igreja de Santa Maria em Lisboa no ano de 1397. Em 1423 foi criada a Província Lusitana, pouco tempo depois o nobre D. Nuno ingressou na Ordem como humilde irmão leigo, adotando o nome de Frei Nuno de Santa Maria (canonizado em 26 de abril de 2008 com o titulo de São Nuno de Santa Maria).

            O Carmelo português se difundiu com grande êxito, sendo fundados diversos conventos por todo o Portugal entre os quais o Colégio de Coimbra em 1535, que incorporado na Universidade, foi substancialmente renovado e ampliado pelo eminente bispo e escritor carmelita D. Amador Arrais no ano de 1598. Além destas foram abertos mosteiros de irmãs de clausura em vários lugares.

            A Ordem em Portugal obteve grande prestígio durante séculos, com destaque de alguns de seus membros na sociedade daquela época, como é o caso de Frei Manuel Cardoso (1566-1650), compositor português, que viveu no Convento do Carmo de Lisboa aproximadamente sessenta e dois anos a serviço da liturgia e música deste local. Através dessa atividade musical e religiosa muito se difundiu a devoção e houve grande participação da nobreza nas cerimônias deste convento como se pode comprovar, no fim do século XVI, os príncipes reais e grande numero de fidalgos eram inscritos na Terceira Ordem Carmelita, difundida por esta comunidade de frades em Lisboa. Foram anexadas à quase todas as casas estes sodalícios da Ordem Terceira secular, que bem depressa atingiram um grande florescimento contando 7.000 irmãos em 1674, e foi além de 25.000 em 1722.

            Não se limitou a Portugal a expansão carmelita. No ano de 1580 os primeiros carmelitas atravessaram o oceano e foram espalhar-se por todo Brasil tendo Pe. Domingos Freira, como orientador da expedição. Quatro padres carmelitas vieram para o Brasil na tentativa de fundar uma colônia na Paraíba, eram eles Frei Alberto de Santa Maria, Frei Bernardo Pimentel e Frei Antonio Pinheiro, na carta de apresentação dos frades se encontra expressa a motivação deste envio dos carmelitas: “é obrigação nossa e de todos os religiosos que professam nosso modo de vida, servir a Deus e à sua Mãe SSma., dedicando-se à salvação das almas e incremento da religião cristã”.

            A tentativa da colonização fracassou, devido a uma violenta tempestade que dispersou os navios, assim os carmelitas ficaram em Pernambuco e se estabeleceram em Olinda e construíram seu primeiro convento em 1583. Em seguida vieram as novas fundações Salvador, Bahia 1586, Santos 1589, Rio de Janeiro 1590 e São Paulo em 1594. Devido ao crescimento da Ordem no Brasil o capítulo provincial de Portugal em 1595 erigiu o vicariato do Brasil que contava com 99 frades espalhados por conventos já fundados e novas fundações como em Angra dos Reis 1608, São Cristovão de Sergipe 1600, Paraíba (antes Vila Real 1608), S. Luís Ma 1616, Belém do Pará 1624 e Mogi das Cruzes 1629.

            No ano de 1685 os conventos do Brasil foram reorganizados em outros dois vicariatos: o do Rio de Janeiro, com os conventos de Rio de Janeiro, Santos, S. Paulo, Angra dos Reis, Mogi das Cruzes, Vitória do Espírito Santo (fundado em 1685); e o da Bahia-Pernambuco com os outros conventos de Olinda, S. Cristovão, Paraíba, Recife (1636), Goiana (1666), Salvador ou Bahia, Rio Real. Em 1720 estes dois vicariatos foram constituídos em províncias independentes de Portugal e autônomas.

            A vida destes carmelitas no Brasil era composta, sobretudo da vida conventual e contemplativa, da pregação, sacramentalização e da difusão à devoção mariana, também a realização de missões para a evangelização dos índios ou gentios.  Nas províncias, vários conventos eram sedes para os estudos de humanidade, de filosofia e de teologia; Alguns religiosos participavam da vida cultural da época, como Frei Leandro do SSmo. Sacramento, idealizador do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e Frei José de St. Madalena, o introdutor da vacina contra a varíola.

            Os Carmelitas chegaram ao Estado de São Paulo primeiramente em Santos no ano de 1589 onde receberam a doação de uma ermida ou capela, dedicada a Nª.Srª. das Graças. Brás Cubas, Cavalheiro Fidalgo da Casa Real e provedor das fazendas nas capitanias de São Vicente e Sto. Amaro, fez a doação de terras para a fundação de um convento e sua manutenção, não apenas na Vila de Santos, mas também as terras da “Vila Sertão, partindo de um pinheiro na borda de Santo André”, conforme escritura pública de doação de 30 de maio de 1589, como escreveu Monsenhor Paulo Florêncio de Camargo. Eram quatro religiosos: frei Domingos Freire, Frei Alberto, Frei Bernardo Pimentel e frei Antonio de São Paulo Pinheiro, que no mesmo ano fundaram a igreja e o convento do Carmo de Santos, no local onde hoje se encontram na Praça Barão do Rio Branco.

“O crescimento povoado de Piratininga, e esse estado de obediência moderada em que pelos jesuítas foram postos os índios inspiraram nos Carmelitas de Santos o pensamento de fundar-se um convento da sua ordem na povoação que começava em cima da serra”. Machado de Oliveira, Quadro histórico da Província de São Paulo.

Em 1590 os carmelitas se instalaram na baixada do Tamanduateí. Naquela época a Vila de São Paulo era cercada por muros de taipas que abrangiam o triangulo da cidade; enfatiza uma ata quinhentista que o “Carmo” ficava no limite da “Villa”, e foi iniciada sua edificação em 1592, como se infere da Ata da Câmara de São Paulo de 20 de junho desse ano, que consta: “apareceo ho reverendo padre frei ANTONIO da hordem de Nossa Senhora do Carmo e pedio autoridade p.ª sitiar hua casa nesta Villa e seus limites e lhe parece o bom os ditos oficiais o que dariam conta de tudo ao povo.”

            A fundação do convento do Carmo deu-se logo que Frei Antônio de São Paulo obteve da Câmara esta autorização, iniciando imediatamente a construção da Igreja do Carmo, nesse mesmo ano Afonso Sardinha dispunha em seu testamento deixar “à casa de Nossa Senhora do Carmo cinco cruzados de esmolas” (Azevedo Marques, Apontamentos Históricos, Vol. II.). O primitivo templo de Nossa Senhora do Carmo foi erigido no outeiro dominando toda à beira do rio Tamanduateí, mais tarde este local veio a se chamar Esplanada do Carmo depois Largo do Carmo com frente para a ladeira que era o início da estrada do Brás, e que deram o nome de Ladeira do Carmo. (O Largo e a Ladeira do Carmo constituem hoje o início da Avenida Rangel Pestana, partindo da Praça Clovis Bevilacqua). A construção do prédio foi concluída em 1594 e neste ano Frei Antonio de São Paulo inaugurou o Convento anexo à Igreja do Carmo.

            O complexo do Carmo foi acrescentado em 1697 com a edificação da Igreja da Venerável Ordem terceira do Carmo, por provisão de frei Manuel Ferreira da Natividade, vigário provincial, reformador e visitador dos frades no Brasil.

            Logo após a edificação do convento e Igreja do Carmo, a devoção dos seus fiéis a esta, progrediu sendo que na sessão de 28 de novembro de 1598 reclamava-se contra a forca instalada no outeiro de Tabatinguera que lá se encontrava em “prejuízo do mosteiro e leis de nossa sõr do Carmo” (Atas, Vol. II, pág.48.). No testamento de Diogo Sanches encontra-se um termo pelo qual “o parecer do curador houve por bem de mandar dar aos padres de Nossa Senhora do Carmo para sua casa mil quinhentos réis por deixarem enterrar o corpo de defunto Diogo Sanches por estar à igreja matriz desfeita e se fazer de novo” (Inv. Test., Vol. I pág. 155). A data é de cinco de outubro de 1598, nessa época o convento e igreja funcionavam regularmente e podemos perceber que havia até muitos padres, como se deduz no termo anexado no testamento e inventário de Diogo Sanches.

            O primeiro convento e igreja deviam ser pequenas construções de taipa, e este na sua simplicidade bem servia para os ofícios religiosos, residência dos sacerdotes e para as sepulturas dos bandeirantes de São Paulo nos séculos XVI e XVII. A venda de sepulturas na igreja do Carmo se destaca nestes séculos, Gaspar Fernandes de 1600 determina “meu corpo seja enterrado dentro da igreja de Nossa Senhora do Carmo à qual casa mando de esmolas dez cruzados” (Inv. Test., Vol. I, pág. 155.) também Francisco Velho, de 1619 “declarou mais que por mandado de Maria Moraes comprara uma cova aos padres do Carmo por dez cruzados de que tem carta” (Inv. Test. Vol. XXV, pág.9.). No Carmo costa que foi sepultado um homem famoso do século XVII, Martim Rodrigues, conhecido por seus livros. Em seu inventário aparecem “O retábulo da Vida de Cristo”, “Crônica do Grã Capitão”, “Instrução de confessores” e “Mistérios da Paixão”, arrolados pelo escrivão de órfãos Simão Borges (Inv. Test. Vol. II, pág. 12.). Muitos livros de um só homem numa vila onde poucas pessoas eram alfabetizadas.

            Os carmelitas em meados do século XVII, pouco depois da edificação de seu convento e igreja, sentiram a necessidade de braços para o trabalho uma sendo a quantidade de terras doadas por Brás Cubas muito extensa sendo. Eram necessários índios para o trabalho. “Exigiam-se índios, pensava-se em índios, sonhava-se com índios. Os homens da vila vivam pelo sertão, em tal quantidade e tão amiúde que as Atas da Câmara nos dão conta regularmente desse êxodo que fazia despovoar não só o núcleo urbano como também as vizinhanças rurais.” (Arroyo, Leonardo. Igrejas de São Paulo). Segundo Azevedo Marques nos documentos compulsados em seus Apontamentos Históricos a igreja e o convento deveriam estar passando dificuldades para cuidar de suas posses, em vista disto o prior frei Ângelo dos Mártires e outros frades resolveram em 1648 “mandar alguns moços ao sertão arrimados a um homem branco, pagando-se-lhes todos os gastos e aviamentos necessários”. (Marques, Azevedo. Op. Cit. Vol. II, pág. 341). Ainda no século XVIII, segundo os documentos da época, os carmelitas participavam comumente de entradas pelo sertão em busca dos gentios. Há uma referência curiosa sobre o padre João Monteiro, que acompanhou “as gentes das Bandeiras” que foram “a descobrir, e examinar as Vertentes da Serra do Capivarassú”, apenas para administrar sacramentos (Documentos Interessantes para a História e Costumes de S. Paulo, Vol. VI pág. 125, Publicação do Departamento do Arquivo do Estado, São Paulo.)

            Através da incansável busca por “alguma gente, pois sem ela acabariam totalmente não só as fazendas, mas o convento”. (Marques, Azevedo. Op. Cit. Vol. II, pág. 342.) uma vez que suas fazendas eram muito vastas e se estendiam por todos os lados da vila de São Paulo. “Ainda no século XIX a igreja e convento do Carmo, possuíam seus escravos, pois é de 1804 o registro de um requerimento, na Câmara, do prior do Convento de Nossa Senhora do Carmo, “senhor e possuidor de umas terras que ficam nos fundos do mesmo convento, onde tem as senzalas dos seus escravos” (Registro Geral da Câmara de S. Paulo, Vol. XIII pág. 103, Publicação do Arquivo Histórico do Departamento de Cultura da Prefeitura, São Paulo.)

            Devido ao enriquecimento do convento em relação a quantidade de escravos “Davam-se bem a Câmara e os carmelitas, boas relações mantidas através do processo de empréstimo dos escravos para as obras públicas. Favores recíprocos, com certeza. Nada mais. Mas a verdade é que na entrada do século XVIII ainda a Ordem do Carmo se mantinha numa situação folgada, em cujo convento e igreja vivam 14 religiosos e um leigo e o número de escravos elevava-se a 431 (Docs. Inters., XXXI, pág. 167.), com as fazendas do Capão Alto, Sorocamim, Biacica, Caguassu e outras muitas extensões de terras por Santos, :Mogi das Cruzes e Itu.(idem, idem, págs. 167 e seguintes)

            A primeira reforma da igreja e do convento data de 1766, de acordo com vários historiadores. Já então o templo deveria ter tomado a conformação que veio até nossos dias, quando foi mudado para a Rua Martiniano de Carvalho, onde se encontra hoje. Alguns anos depois, ou para sermos exatos, onze anos depois à igreja de Nossa Senhora do Carmo seria ligado um exemplo rijo de dignidade e pudor de certas mulheres paulistas do século XVIII, como foi o caso de Francisco da Silva Rosário, que faleceu em São Paulo em 1777. Essa senhora casara-se por procuração com Francisco Álvares de Crasto (ou Castro?), assistente em Cuiabá. Voltando este a São Paulo, depois de alguns anos, parece que se esqueceu de sua legítima esposa que o aguardava. Porém não a procurou. Tal tratamento ofendeu a ilustre dama paulista, do ramo dos Furquins, que se sentiu desobrigada da sua condição de casada. Daí, na sua morte, não tendo herdeiros, haver legado todos os seus bens ao convento e igreja de Nossa Senhora do Carmo (Leme, Silva. Op. Cit. Vol. VI pág. 239.). Enriquecendo-os ainda mais. Em 1836 a ordem possuía “31 casa de aluguel, 6 estabelecimentos de agricultura, uma fazenda de crear, cento e trinta e tantos escravos, de onde provêm o seu rendimento”. (Muller, Marechal D. P. São Paulo em 1836, pág. 251, ensaio d’Um quadro estatístico, Tipografia da Costa Silveira, São Paulo, 1839.). (Arroyo, Leonardo. Igrejas de São Paulo.)

            A relação da comunidade de frades carmelitas na sociedade paulista daquela época era bastante participativa, sendo o Carmo, uma referência para a pequena vila, a aristocracia estava presente nas  cerimônias religiosas do templo e também muitos eram membros da Venerável Ordem Terceira, como podemos constar “Pedro Dias Pais Leme faleceu em 1633, capitão da polícia da Vila de São Paulo; pessoa de muita estima e respeito, ocupou vários cargos públicos no governo de são Paulo, foi sepultado na capela mor da igreja do Carmo. Casado com Maria Leite falecida em 1667. Seu primeiro filho foi Fernão Dias Pais Leme, o celebre bandeirante descobridor das esmeraldas que deixou seu nome gravado na história de São Paulo pelos feitos que o imortalizaram.” (Leme, Luiz Gonzaga da Silva. Genealogia Paulistana. Depoimento a fls. 450 do Vol. II).

             O viajante francês, Saint- Hilaire assim descreveu o templo na paisagem urbana de São Paulo: “A igreja do convento dos carmelitas é muito bonita, ornamentada com muito gosto e enriquecida com pinturas de ouro. Além do altar-mor, há mais três altares de cada lado, em que são reproduzidas as mais notáveis ocorrências da paixão de Cristo. Essa igreja me pareceu muito superior a Catedral.” (Arroyo, 1954:68).

            A importância do complexo para a vila tanto material como espiritual era notável para a vida daquele São Paulo que ainda ensaiava seus primeiros passos na urbanização, a boa relação da ordem com a Câmara continuou com o governo da Província de São Paulo.

“Em 1831, a pedido do brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, presidente na época da província de São Paulo, o prior frei Francisco de Paulo concedeu, sem cláusula alguma, licença para o Corpo Policial de Permanentes ocupar uma parte do pavimento térreo do convento, que serviu de quartel até 1906. “(Arroyo, 1954:68).

            Também Pesanha Povoa, faz uma descrição do complexo do Carmo neste momento em que já se ocupava o quartel de uma parte do convento: “Sobre a eminência da ladeira do Carmo, que parece o flanco de uma montanha, ocupa o convento considerável espaço, dominando desde a rua do Carmo até à confluência oriental do rio Tamandatahy, onde fica a grande ponte construída no tempo do décimo terceiro governador Horta França...” E mais adiante entrando em detalhes, o cronista acrescenta: “O átrio, como bem mostra a gravura, é flanqueado de grossas paredes tendo em frente onze janelas rasgadas, com varandas, no andar que se ergue no pavimento inferior, que serve de quartel do corpo de Permanentes. Ao lado tem duas igrejas contiguas que pegam o convento. Uma é dos frades, e a outra da Ordem Terceira do Carmo. A primeira é interiormente de Architetura pesada e decorada com mau gosto. A segunda é mais simples, porem mais elegante. Ambas estas igrejas, no seu exterior, são de muita simplicidade, dando-lhe contudo muito realce o alto coruchéo ou torre dos sinos que extrema uma da outra” (Arroyo,1954: 68).

Foi na igreja dos carmelitas que Padre Jesuíno do Monte Carmelo, importante personagem da arte colonial paulista, músico, pintor, arquiteto. Executou sua primeira pintura e trabalhos em São Paulo como afirma Mário de Andrade em seu livro Padre Jesuíno do Monte Carmelo: “Justamente se perdeu o teto do convento do Carmo, que foi a primeira obra realizada pelo pintor em São Paulo. Destruíram-no nada guardaram, quando o edifício foi desapropriado em 1929.” (Andrade, 1963).

            Entre os artistas coloniais também destacamos na música o maestro Lustosa que muito contribuiu e atuou na igreja do Carmo: ”de que ainda existem reminiscências por ai algures, de cantochão que fizeram o encanto acustico dos nossos piedosos conteraneos avoegos” (Moura, Paulo Cursino, 1945). 

            O Carmo foi durante muito tempo uma referência de boa liturgia e sofisticação da fé Católica na cidade de São Paulo. Isso podemos comprovar pelos fatos e descrições ocorridos naquele tempo entre eles a visita dos imperadores do Brasil no Carmo em  12 de abril 1846, o templo foi tão suntuosamente decorado que, no dizer de José Maria Martins, então irmão sacristão, jamais a Ordem faria outra festa com tanto esplendor. As poltronas em que se sentaram o Imperador D. Pedro II e a Imperatriz Thereza Cristina estão guardadas no salão nobre como preciosa relíquia, onde se encontram até hoje. Já no dia 5 de março os Imperadores do Brasil haviam acompanhado a pé a procissão do Senhor dos Passos da Igreja do Carmo para a Igreja do Pátio do Colégio, demonstrando suas convicções e profundos sentimentos religiosos.

            Leonardo Arroyo diz que era da tradição que no Carmo se realizavam as melhores missas cantadas, as melhores procissões, as mais caprichadas novenas e comemorações da Semana Santa, com a presença de altas autoridades.

            Embora houvesse todo um contexto de beleza artística e litúrgica, a partir do início do século XIX a Ordem já começava a definhar pela falta de frades, e intervenções da coroa devido ao impedimento de noviços pelo governo e anteriormente uma reforma da província, solicitada pela própria Rainha de Portugal, Sra. Dna. Maria I. O capítulo provincial que devia começar no dia 01 de maio de 1783 foi sustado pelo Vice Rei, como consta na carta datada 23-05-1783 do Vice-Rei Luiz de Vasconcelos e Souza à Rainha Dna. Maria em Lisboa.

 ”Tendo já tocado por algumas vezes a V. Excia. na grande relaxação dos frades do Carmo desta Província e vendo a cada dia mais adiantada, principalmente nas presentes circunstâncias em que no Convento desta cidade juntos já os vogais para escutar intrigas dos mesmos vogais do Capítulo, com que cada um, conforme a sua paixão, procurava, quando não pudesse conseguir os seus intentos, perturbar um ato que na consideração dos mesmos frades devia ser o mais sério, me pareceu de comum acordo com o Bispo desta Diocese que seria muito do serviço de Deus e de sua Majestade, fazer sustar no seu real nome o mesmo Capítulo, muito mais quando nas vésperas dela me veio o próprio Provincial participar que pela disposição que via na sua comunidade, receava maiores insultos.

            Assim o pratiquei e movendo-se a questão de quem devia governar interinamente a Província na forma das Constituições da Ordem, na inteligência dos quais variaram os pareceres dos Padres Mestres, ditados em grande parte por um espírito de parcialidade, mandei conservar o mesmo Provincial sem alteração alguma até nova resolução de sua Majestade. E como para esta entendo ser necessário por na real presença da mesma Senhora o estado atual da mesma Província e uma informação clara dos indivíduos dela, o que farei com a maior brevidade.

            Deus guarde a Vossa Excelência.

            Rio 23 de maio de 1783

            Luiz de Vasconcelos e Souza” (Reeditado por Frei Carmelo Cox)

 

Em 1783 o Vice-Rei escreveu seu próprio livro: “A Relaxação dos Frades do Carmo e Reforma Ineficaz”, e o mandou para a Rainha Dna. Maria em Portugal. Ela o mandou para o Núncio Apostólico, que por sua vez o Núncio no Reino de Portugal e Algarves, Dom Vicente Ranuízo, nomeou, também por vontade da Rainha Dna. Maria I, o Bispo do Rio de Janeiro, Dom José Joaquim Mascarenhas Castelo Branco, como Visitador e Reformador da Província da Ordem dos Carmelitas Calçados no Rio de Janeiro.

            A reforma teve seu fim no ano de 1800, neste período a Ordem passou por diversas intervenções do governo e era necessária a autorização deste para que se recebessem noviços.  No ano de 1823 surge o primeiro projeto de lei contra as Ordens Religiosas na Monarquia Constitucional:  “A Assembléia Geral Constituinte e Legislativa decreta:

1º - Fica proibido provisoriamente da data do presente Decreto em diante, até que a Assembléia delibere o contrário, a admissão de qualquer pessoa à entrada para noviciado em todos os Conventos de um e outro sexo, podendo somente ser admitidos à profissão os que estando já no noviciado quiserem professar.

2º - Qualquer regular do sexo masculino, que quiser, poderá sair do Convento, precedendo Licença Pontifícia, que será requerida, e protegida pelo Governo; ficando os egressos hábeis para ocupar os Ofícios Civis e Eclesiásticos, como outro qualquer Cidadão.” (Cox, 2005)

            Essas intervenções afetaram toda a Ordem no Brasil, mas não somente os carmelitas, e sim todas as ordens religiosas, implicando radicalmente no futuro e existência das mesmas. O interesse que estava sendo visado em tais atitudes era a apropriação dos bens das ordens, segundo Frei Carmelo Cox, que nos diversos documentos organizados por ele estava presentes cartas do governo, “pedindo inventário de todos os conventos” da Ordem.

            Em 1834 foi oficializada a extinção de todas as ordens religiosas em Portugal. As causas mais profundas desta decadência devem ter sido a falta de adaptação e a alteração do tempo e da mentalidade. O fato de se começarem a utilizar os edifícios conventuais para aquartelamentos e tribunais, aproveitando as dependências desocupadas, ajudou ainda mais a perturbação claustral.

“O decreto de 30 de maio de 1834, assinado pelo então ministro da justiça, Joaquim Antônio de Aguiar, em que decretava a extinção de todas as Ordens Religiosas, acabou com o pouco que restava já do Carmo português.” (Cox, 2005)

            A partir de então a província dos carmelitas entrava em profunda agonia, ficando os conventos vazios aos poucos. Havia dificuldades para administração dos bens, uma vez que no ano de 1871, anos antes da abolição da escravatura, os carmelitas decidem “libertar todos os escravos da Província Carmelitana Fluminense, com exceção daqueles que se achavam sujeitos a contratos.” (Cox, 2005).

            Em agosto de 1881 ficou o Convento do Carmo de Santos sem religiosos Carmelitas, e o declínio perdurava por todas as casas carmelitas no Brasil. Em São Paulo como se consta já estava sem frades carmelitas desde 1873 uma vez que o convento estava sobre os cuidados de um frade que residia em Mogi das Cruzes: “Em São Paulo desde 08-11-1873 está tomando conta Frei Antônio Muniz, que também continua como Prior de Mogi das Cruzes.” (Cox, 2005)

            Assim resistiu até 1889 quando foi proclamada a República do Brasil, e foi decretado à separação entre Igreja e Estado, e conforme a Lei orgânica da constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.

“Art. 72§3- Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum.”

            A partir desse momento, surgi à grande necessidade da restauração da província sendo o próprio Papa Leão XIII manifestando seu desejo de que “quanto antes, sejam restabelecidos e repovoados os Conventos da Ordem Carmelitana no Brasil e que a esse fim se mandem para ali novas comunidades.” Pediram então para os carmelitas da província da Espanha para que se iniciasse a restauração do Carmelo no Brasil, mas não foram recebidos a principio pelos frades no Rio de Janeiro, sendo assim foram para Pernambuco onde lá fizeram a restauração da Província Carmelitana Pernambucana.

            Em São Paulo o único frade Frei Antonio Muniz, administrador de quatro casas São Paulo, Santos, Itu e Mogi das Cruzes, começava a entrar em conflitos com o bispo, por questões administrativas, nas quais o bispo D. Antônio Candido de Alvarenga desejava cuidar da administração dos bens da ordem em São Paulo.

            Os carmelitas que pelo ano de 1900 haviam se estabilizado no Rio de Janeiro anunciavam sua partida do Brasil em 1904 deixando assim por decisão capitular os conventos da Lapa, Angra dos Reis e Bahia, no entanto foram partiram para o Recife. Assim o Padre geral do carmelitas vendo que falhara a tentativa espanhola no rio de Janeiro pede então a ajuda da Província Holandesa como podemos ver na carta do Pe. Geral Frei Pio Mayer ao Provincial Holandês, Frei Lamberto Smeets:

“Revmo. Padre Lmaberto Smeets

Zenderen.

Revemo. Padre Provincial,

No Capítulo Provincial da Espanha resolveu-se fechar quanto antes o Conventos das Províncias do Rio de Janeiro e da Bahia, e colocar os Padres espanhóis no Brasil juntos na Província de Pernambuco. O motivo desta resolução foi a impossibilidade da Província Espanhola de enviar tantos padres ao Brasil quantos o Arcebispo do Rio de Janeiro desejava.

 P.Pius Mayer, Geral. O. Carm.” (Cox, 2005)

           O Provincial da Holanda, Frei Lamberto Smeets, consultou seu Definitório e quatro dias depois respondeu afirmativamente sendo a partir daí a província fluminense entregue aos Carmelitas Holandeses sobe a responsabilidade de restauração.

            Frei Antônio Muniz, consegue resguardar o patrimônio de São Paulo que estava sem frades residindo no convento com apenas o quartel utilizando uma parte do edifício. A Venerável Ordem Terceira já estava sem a presença de frades junto a ela a muito tempo, sendo seus diretores espirituais padres seculares, tornando-a cada vez mais independente da Ordem.

            A chegada dos carmelitas holandeses a São Paulo aconteceu no dia 14 de maio de 1905, afim de ocuparem o convento e iniciarem a restauração do Carmo, vieram três frades: Frei Cirilo Thewes, Frei Simão Jans e alguns dias depois chegou Frei Guilherme Meijer.