Páginas bolsonaristas pediram boicote ao filme devido ao apoio do ator à esquerda e ao governo Lula. Lázaro reflete sobre polarização, mas diz que filme é trabalho coletivo: ‘Nunca foi, não é e nunca será sobre mim’

 

'Ó Paí, Ó nunca foi, não é e nunca será sobre mim', diz Lázaro Ramos, que estreia sequência do filme Foto: H2O Films/Divulgação

 

Por Matheus Mans

Na primeira cena de Ó Paí, Ó 2, estreia desta quinta-feira, 23, Roque (Lázaro Ramos) quebra a quarta parede. O protagonista olha diretamente nos olhos do espectador e faz uma declaração: nos 15 anos que se passaram desde o primeiro filme, as coisas mudaram na Bahia. “O Pelourinho tá igual o Brasil: rachado no meio e o povo caído no buraco”, diz. A declaração não chega à toa, mas em um momento que o próprio Lázaro divide opiniões.

Afinal, nos últimos meses, páginas de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) propuseram um boicote ao novo filme por causa das posições ideológicas à esquerda do ator. É a tal polarização que, claro, atinge o coração da Bahia. Isso afeta Lázaro? Ele mesmo responde.

“Tô gravando novela, com agenda cheia”, diz aos risos ao Estadão. “Eu reflito muito, mas minha função é continuar trabalhando, sendo ético e correto, oferecendo o meu melhor como contador de histórias e ativista, compreendendo que os processos não são sobre mim. Ó Paí, Ó nunca foi, não é e nunca será sobre mim. É um grupo de artistas que conta essa história”.

 

Um filme ligado com o Brasil atual

No primeiro filme, assim como na série que originou a produção para a tela grande, sempre foi possível perceber a conexão com o mundo do agora. Há 15 anos, por exemplo, Ó Pai, Ó estava discutindo os caminhos do dinheiro, a presença da religião na vida das pessoas e como o novo mundo globalizado estava chegando ao Pelourinho.

Agora, na nova história, as coisas são diferentes. Há a polarização citada, assim como a tecnologia e, na subtrama mais interessante, uma personagem que sofre com a violência. Ó Paí, Ó 2, assim, é tão conectado com o Brasil que está ali fora que não só comenta sobre os assuntos do momento, como também vira tema das conversas - e, é claro, dos boicotes.

O filme começa quando a população do Pelourinho descobre que Neusão (vivida genialmente por Tânia Tôko) perdeu seu bar em um golpe imobiliário. Agora, quem toca o negócio é um coreano dali. Assim, o grupo decide se mobilizar para salvar o bar de Neusão enquanto Roque, é claro, vive a sina de tentar ser um artista de axé em um País que parece não ter ouvidos e muito menos espaço para ele.

 

As dores e maravilhas do retorno

Lázaro, porém, conta que nem tudo foi tranquilo em seu retorno ao personagem de Roque. Ele diz que nem pensou duas vezes antes de aceitar o convite – segundo ele, faz qualquer coisa que o Bando [de Teatro Olodum] sugerir, inclusive um possível Ó Paí, Ó 3. No entanto, assim que começaram os preparativos pra viver novamente o aspirante a músico, veio a preocupação.

“São várias camadas. Primeiramente, vem o desafio físico de dançar e cantar daquele jeito. O joelho não é mais o mesmo”, diz Lázaro. “Tem o desafio emocional também de ficar perto dos artistas do Bando. É algo que ainda mexe comigo. Ainda hoje fico nervoso. Eles são meus primeiros ídolos. Eu queria ser eles. Era minha maior referência. Por isso, eu fico com medo de não dar conta, de não ter a mesma agilidade cênica, a mesma inteligência cênica. Mas, no fim, é uma oportunidade de fazer uma sequência de algo que já foi uma série, que já virou filme e também já foi pro teatro. O desafio virou oportunidade”.

Se Lázaro ficou nervoso, dá pra imaginar a diretora Viviane Ferreira. Este é apenas o segundo longa da cineasta, que já mostrou uma habilidade muito acima da média com seu longa de estreia, o belíssimo Um Dia com Jerusa. Ela teve uma tremedeira logo de cara.

“Ser chamada para o time titular para um grupo do qual você é fã e que contribuiu para a sua formação não é simples”, afirma Viviane, também em entrevista ao Estadão. Com isso, ela acabou fazendo uma direção afetiva, com trocas com o Bando para que todos fiquem à vontade com a “polifonia de histórias” que é Ó Paí, Ó 2.

“Não tive medo, mas tive respeito. É respeito que a gente sente para um trabalho que é realizado em sequência desde 1992. Ó Paí, Ó nasceu como narrativa de sucesso. As pessoas que vão se somando trazem muito respeito para a criação do Bando”, comenta a cineasta.

 

Um filme sobre todos

Com isso, pode-se dizer que 15 anos depois, muita coisa mudou e o filme acompanhou isso, mas sem perder a essência. Ó Paí, Ó 2 ainda é, em seu coração, um filme de coletivos – feito por um dos grupos mais importantes do País, o Bando de Teatro Olodum.

“O Brasil, depois de tudo que vivemos, também amadureceu. E, com isso, entendemos a importância das ferramentas do aquilombamento e a importância de vivermos em coletivo”, diz a diretora. “Nos afastamos durante a pandemia da experiência de vivermos juntos. Agora, a gente chega a 2023 compreendendo a ferramenta da coletividade como algo importante à nossa sobrevivência”.

Lázaro, por fim, ainda acrescenta uma observação essencial: é um filme sobre todos, mas também sobre cada um. “Neste segundo filme, há algo importante: é sobre coletividade, mas respeitando as individualidades”, explica. “As pessoas superam diferenças de religião e se agrupam em um objetivo comum. As pessoas se agrupam para entender que a nova geração tem linguagem e estratégias diferentes da geração mais antiga e se completam. Eu sei que é uma comédia musical, mas isso é uma camada importante e poderosa do projeto”.

*Esta matéria foi feita com a colaboração do Bando de Teatro Olodum, que defende a expressão negra coletiva nas artes cênicas há mais de 30 anos.

Fonte: https://www.estadao.com.br