Já vimos esse filme antes e, mesmo soterrados e asfixiados, ele segue em cartaz. Perguntamos até quando se repetirá

 

Desde o dia 18 de fevereiro, o Brasil vem acompanhando o desastre que ocorreu no Litoral Norte de São Paulo. Segundo especialistas, isso aconteceu por uma combinação muito particular de fatores relacionados à chuva, ao vento e ao mar, gerando “um evento absolutamente extremo e histórico”. O número de mortos chegou a 65. Também há 2.251 vítimas desalojadas (deixaram suas casas, mas não necessitam de abrigo) e 1.815 desabrigados (em abrigos públicos ou privados).

Não sei se você que lê este texto agora compartilha o mesmo sentimento que tomou conta de mim, mas já reparou que todo ano sofremos com um desastre natural cuja causa foi a maior chuva de todos os tempos? Todo ano tem isso. Nunca estamos preparados. E sempre são as mesmas consequências: muitos mortos, autoridades indo ao local com discurso de que está sendo feito o máximo possível para ajudar.

Mas não está.

Em fevereiro do ano passado, Petrópolis registrou um recorde de chuva, causando a morte de 241 pessoas e deixando mais de 8.100 famílias dependentes do aluguel social.

Saindo das cidades mais afastadas e chegando às metrópoles, que sentimento surge em quem sai do trabalho para casa quando chove por apenas 15 minutos? Quem não se lembra do vídeo do carioca revoltado com os efeitos de mais um temporal na cidade? Isso foi em 2010. O que mudou de lá para cá?

O último fato da série retrô aqui: dias 11 e 12 de janeiro de 2011, o Estado do Rio de Janeiro viveu o que muitos consideram a maior tragédia climática da História do Brasil. Segundo registros de órgãos públicos, foram 918 mortos e 34.600 desalojados.

— Não é possível que todo verão a gente seja surpreendido. Existe tecnologia para evitar grandes estragos. Há pouco tempo foram instaladas sirenes, sistema de alarme, em áreas de risco em épocas de fortes chuvas. Precisamos estar muito atentos, e o poder público sabe disso. Existem instituições que fazem um ótimo trabalho para ajudar na identificação e na prevenção de desastres — diz Christovam Barcellos, coordenador do Observatório de Clima e Saúde e vice-diretor de Pesquisa, Ensino e Desenvolvimento Tecnológico do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz.

Voltando a 2023, o g1 revelou que o governo de São Paulo tinha plena ciência com dois dias de antecedência do risco de tragédia no Litoral Norte, inclusive na área mais afetada, a Vila Sahy, mas os avisos foram feitos apenas on-line.

O governador Tarcísio de Freitas declarou:

— Então, foram disparados 2,6 milhões de alertas antes das chuvas que nós tivemos agora via SMS. E a gente viu que isso, eventualmente, não tem a maior efetividade. Aqui para o litoral, mais de 30 mil pessoas receberam o SMS de alerta. Então a gente precisa ter uma maneira mais efetiva.

Esse tipo de postura demonstra o menosprezo pelas pessoas em situação de vulnerabilidade. Todos os fatos escancaram que não é uma chuva que mata, mas sim o poder público. Não, não fomos surpreendidos. Já vimos esse filme antes e, mesmo soterrados e asfixiados, ele segue em cartaz. Perguntamos até quando ele se repetirá. Fonte: https://oglobo.globo.com