Frei Carlos Mesters, O. Carm

Jesus era leigo

* Jesus não era da tribo sacerdotal. Era um leigo que não aparece fazendo um trabalho sacerdotal. Jesus nunca aparece oferecendo sacrifícios no Templo, nem é consultado pelo povo a respeito de questões próprias do sacerdócio. Ao contrário, ele envia as pessoas por ele curadas, para que se apresentem aos sacerdotes. Ele chegou a questionar o Templo (“Podem destruir este Templo, e eu faço um outro!”) e a denunciar o culto corrupto desviado que nele se praticava.

* Jesus não era do centro, mas vinha de uma periferia, chamada ”distrito dos pagãos” (Galileia). Não pertencia a nenhum dos grupos de poder da época, como por exemplo, saduceus, fariseus, essênios, zelotes. Não era teólogo nem fez estudos especiais na escola dos rabinos em Jerusalém. Veio de uma cidadezinha insignificante, Nazaré, onde viveu trinta dos trinta e três anos como trabalhador leigo do campo e como carpinteiro.

* O chão de onde Jesus falava e agia era este chão do povo do interior da Galileia, que hoje chamaríamos de leigo, povo desprezado como ignorante pelo clero da época, sacerdotes, fariseus e escribas.

* Se você quiser conhecer a vida do Filho de Deus durante os primeiros trinta anos de sua vida, pegue a vida de qualquer leigo nazareno, procure saber como vivia e o que fazia da manhã até à noite, coloque o nome Jesus no lugar, e você terá a vida do Filho de Deus durante trinta dos trinta e três anos da sua vida. Difícil imaginar Jesus como seminarista ou como bispo.

A escola de Jesus

* Como toda criança, Jesus aprendeu com a mãe e, sendo menino, a partir de três ou quatro anos aprendeu também com o pai. Aprendeu as histórias do povo, vindas da Bíblia e da tradição oral, contadas em casa e na comunidade. Recebia sua identidade a partir do clã e da convivência na aldeia. Aprendeu a ler e escrever na Beth-há-midrash, ao lado da sinagoga. Cresceu do lado do povo pobre da periferia da Galileia e não do lado da elite, clerical ou não, da época. Escutava o ensinamento dos escribas e dos fariseus nos sábados na sinagoga. Como muitos outros meninos, passava as tardes das sextas feiras na sinagoga para preparar as leituras da celebração do sábado.

* A escola de Jesus era também a sua experiência de perceber como tanta gente era excluída da participação na comunidade em nome do conceito exigente de um Deus que não admitia o impuro na sua presença. Naquele tempo, lá nas aldeias e povoados da Galileia, o controle psico-social era muito grande. Todo mundo conhecia e controlava a vida de todo mundo! Era necessária muita coragem para um leigo tomar rumos e ensinos diferentes da tradição secular, transmitida na sinagoga pelo sistema clerical da época.

* A escola de Jesus era também o mundo do trabalho diário para sobreviver; era a realidade da opressão romana que impunha os tributos e obrigava a pagar as inúmeras taxas; era o movimento popular de oposição aos romanos, que levava muito pai de família para a clandestinidade; era o perigo constante e as ameaças de violência e de roubo, de passagem de exércitos, de desemprego, de insolvência das dívidas crescentes, o sistema escravagista dos romanos. Era este ambiente concreto que marcava o dia-a-dia da vida do povo leigo e que, muitas vezes, era desconhecido pela elite que vivia segura nas suas casas ao redor do Templo.

* A escola de Jesus era, sobretudo, a sua experiência profunda de Deus, a mística que o levava a reler tudo com outros olhos, a contemplar o mundo a partir de outro ângulo. Se Deus é Pai, então somos todos irmãos e irmãs uns dos outros e ninguém tem o direito de, em nome de Deus, excluir o outro da casa de Deus, como estava sendo feito na época de Jesus pelo sistema religioso.

Revelar o novo rosto de Deus como Pai

* A grande preocupação de Jesus, o seu alimento diário, era fazer a vontade do Pai. Esta era a raiz de onde ele vivia, agia e falava. Esta era a radicalidade da sua vida. Ele podia dizer: “Quem me vê, vê o Pai!” “Eu a cada momento faço o que meu Pai me mostra que é para fazer” “Eu e o Pai somos uma coisa só!” Por isso, Jesus revelava o rosto de Deus como Pai. Jesus não administrava sacramentos, mas, pela sua obediência desobediente, ele era o grande Sacramento de Deus, a revelação viva do Pai.

* Vivendo assim, Jesus era o novo “laos”, o “leigo”, o novo começo, a nova criação, a amostra do Reino, a semente de mostarda, o caminho, a verdade, a vida, o pastor, a videira, a luz, a ressurreição, o pão da vida, o profeta, o juiz, o irmão mais velho, o redentor, o messias, o Filho de Deus. Estes e outros tantos nomes e adjetivos foram sendo encontrados, aos poucos, pelos primeiros cristãos para expressar em palavras conhecidas e experiência totalmente nova de Deus que lhes vinha através de Jesus.

* Jesus explicava a Bíblia ao povo a partir da nova experiência que tinha de Deus e, por isso mesmo, dela revelava um sentido novo, pleno. A partir da sua experiência de Deus ele era capaz de perceber o que Deus queria quando chamou o povo em Abraão ou quando o tirou do Egito e lhe deu a Lei. Por isso mesmo, ele podia dizer: “Antigamente foi dito, mas eu vos digo!”

* O ensinamento de Jesus não era só aquilo que ele dizia e ensinava, mas era, sobretudo aquilo que ele era e fazia. Por causa da sua experiência de Deus como Pai, Jesus acolhia os excluídos, os marginalizados pelo sistema clerical da época. Ele dava um lugar aos que naquele sistema não recebiam lugar: os impuros (leprosos, deficientes, mulheres, crianças), os imorais (prostitutas, pecadores, ladrões), os heréticos (samaritanos, estrangeiros, publicanos), colaboracionistas (romanos, soldados, publicanos), os pobres, os oprimidos, os cegos, os doentes. A sua vida, a sua atuação e a sua pregação eram uma Boa Notícia de Deus para o povo e uma denúncia do sistema religioso da época que escondia o verdadeiro roto de Deus ao povo.