Frei Pedro Caxito O.Carm. In Memoriam

             Queremos falar sobre Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, a Teresinha carmelita, e os dons do Espírito Santo.

            Diz o Senhor: "Um ramo brotará do tronco de Jessé e um rebento surgirá das suas raízes. Sobre ele repousará o Espírito do Senhor: espírito de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de ciência e de piedade, e o inundará o espírito do temor do Senhor"[1].

            O Espírito Santo é o Dom do Pai ao Filho e do Filho ao Pai, que a nós também O concedem generosamente, enquanto Ele, o próprio Espírito, a nós se dá com muito amor, e "torna-se a fonte de todo o nosso agir. No mundo atual de consumismo (hedonismo, sexualismo e somente egoísmo), que tudo faz para conquistar-me e acorrentar-me de modo que eu perca a minha identidade, o Espírito vela sobre a minha identidade de cristão"[2] e nos concede os sete dons que no Catecismo da Igreja Católica aprendemos serem aquelas "disposições permanentes que tornam homem e mulher dóceis para seguirem os impulsos do Espírito Santo", impulsos, segundo Frei Guido, "diversificados e adaptados às várias circunstâncias da vida quotidiana".

            Jesus nos afirma que o Pai, que só dá o que é bom, dará o seu Espírito Santo a quem o pedir: "se vós, que não sois lá assim tão bons, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai dos céus dará o Espírito Santo a quem a Ele o pedirem" (Lc 11, 13). A Virgem Maria, sobre quem desceu invisivelmente o Divino Amor, é nossa intercessora e modelo, para que nós também O recebamos do Pai e sejamos conduzidos por Ele[3].

            JESUS: personalidade una e riquíssima com duas naturezas, a divina e a humana. Todas as criaturas foram destinadas a serem algum reflexo da sua beleza. São Paulo nos aconselha: "Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo" (Rm 13,14); ele que aos Filipenses queridos dissera: "Cristo é o viver para mim", e ainda "Tende em vós os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus" (Fl 1,21; 2,5), aos Gálatas, que ele chamou de bobos, disse que: "Vivo. Não mais eu, mas é o Cristo quem vive em mim" (Gl 2,20; 3,1).

            Respeite embora a natureza da sua criatura e a liberdade que, cheio de confiança, concede ao homem e à mulher, Deus vai agindo por meio do seu Amor, para transformá-los à imagem do seu Filho, que é "o esplendor da sua glória e a imagem da sua divina essência" (Hb 1,3)[4], reflexo da Luz eterna, espelho sem mancha da atividade de Deus e imagem da sua bondade" (Sb 7,26), e assim, no dizer do Apóstolo, "todos os que são conduzidos pelo Espirito de Deus estes são filhos de Deus" (Rm 8,14).

            Os dons de Cristo, como Novo-Adão e Filho de Deus feito homem, são também para nós, homens e mulheres, que Ele veio transformar em filhos e filhas de Deus "por meio do amor, que em nós se difundiu pelo Espírito Santo, que nos foi dado"[5]. É de maneira análoga que os privilégios concedidos a Maria, Nova-Eva, são prenúncio e também reminiscência daquelas graças que, desde os dias do Éden, sempre o Pai quis dar aos filhos da Mulher: em nós o Espírito do Filho de Deus clama Abbá - Papai[6], Pai Nosso.

            E Deus age pelo seu Espírito, que vai distribuindo os seus dons, quando quer, como quer, quanto quer e a quem quer[7], e as nossas ações serão frutos do Divino Amor e daquela liberdade, que de graça o Pai nos concede, "uma liberdade fascinada e atraída pelo Bem Supremo"[8].

            Mais ainda. A Onipotência do Pai, não podendo fazer da criatura Deus por natureza, é ajudada pela divina Sabedoria, seu Filho, e pelo divino Amor de modo que a presença dos Três no mais íntimo de cada um faça que sejamos o que tanto desejam os Três, isto é, "participantes da divina natureza" (2Pe 1,4)! A presença de Deus vem divinizar como a presença da luz vai iluminar! Como Paulo a alma diz: "Eu vivo. Já não sou eu quem vive: é a Trindade Santa quem vive! É o Pai e o Espírito Santo quem vive em mim com Jesus que vive em mim!"[9]

            São João da Cruz - citando o que diz São Paulo: "O que está unido ao Senhor é um só espírito com Ele" (1Cor 6,27) - ensina que "entre as operações de Deus e as da alma deixa de haver distinção; não fazem mais do que um todo a atividade da alma e a de Deus"[10]. A alma guiada pelo Espírito de Deus "age não já de maneira humana, mas como que transformada em Deus por participação"[11].

            Numa carta a Celina Teresa escrevia: "Conhecê-Lo como Ele se conhece e nós mesmas chegarmos a ser deuses! Oh! Que destino! Como é grande nossa alma! Elevemo-nos acima de tudo o que passa; conservemo-nos distantes da terra. Nas regiões das alturas o ar é tão puro! Jesus pode esconder-se, mas sempre se adivinha onde Ele está..."[12]

            Os sete dons tornam-se um reforço da vida espiritual e concedem ao homem e à mulher capacidade e disponibilidade para receberem as luzes e as inspirações de Deus pelo Espírito Santo, que nos foi dado (Rm 5,5)

            Alguém ensina que é como numa barca que, ao ser com dificuldade movida somente pela força dos braços e dos remos, vai desfraldando as suas velas para receberem o impulso dos ventos: e com mais facilidade vencerá distâncias e os ímpetos das ondas. Os dons são as velas da nossa barca, que recebem o sopro do Santo Espírito, e a nossa barca poderá, ágil e segura, singrar com toda firmeza e tranqüilidade, levada pelo murmúrio de um suave silêncio (1Rs 19,12).

            Na sua "História de uma alma" Santa Teresinha conta a história de uma barca. Era noite de Natal. Era dezembro de 1887. Teresa com menos de 15 anos esperava passar o Natal "atrás das grades do Carmelo". Após a Missa do galo, ao chegar à sua casa, Celina armara-lhe uma surpresa: no quarto uma bacia bonita com uma barquinha à vela chamada "Abandono", onde dormia o Menino Jesus com uma bolinha ao lado chamada "Teresinha", e Jesus lhe dizia: "Estou dormindo; o meu coração, porém, está velando" (cf. Ct 5,2 [Vulg]): sobre a vela branca da barquinha "Abandono" sopra a brisa do Amor[13].

            "O silêncio de uma brisa leve" haveria de impulsioná-la sempre, por toda a vida, como a Elias, Pai e Modelo Inspirador dos Carmelitas. A brisa suave, que é o Espírito de Deus, há de tanger a humilde barquinha ou as delicadas cordas de um coração amoroso. Isabel da Trindade propunha a «Guide», sua irmã, viver com os seus «Três» no céu mais profundo da própria alma, e dava-lhe a garantia: "O Espírito Santo transformará você numa lira mística que, no silencio, sob seu toque divino, há de fazer ressoar um cântico magnífico ao Amor"[14].

            Teresa, embora não cite muito o Espírito Santo pelo nome de "Espírito Santo", e mais sob o nome de Amor, sobre a Crisma e sua preparação soube afirmar: "Preparei-me com muito carinho para receber a visita do Espírito Santo. Não compreendia a pouca importância dada à recepção desse Sacramento de Amor. (...). Não senti um vento impetuoso na descida do Espírito Santo, mas aquela «brisa leve», cujo murmúrio ouviu o Profeta Elias no Monte Horeb"[15].

            Mas cuidemos de não dar tristeza ao Espírito e, muito mais ainda, de não extingui-Lo; a prudência, ajudada pelo dom do Conselho, exige discernimento e atenção (Ef 4,30; 1Ts 5,19.21 e 1Jo 4,1).

            Diz o Pe. Philipon OP, a quem, às vezes, seguimos: "A essa luz (dos dons do Espírito Santo), a santidade de Teresinha de Lisieux aparece-nos como verdadeira obra-prima da ação divina em uma alma de criança"[16].

            Apesar de ter afirmado que Maria apresentada no Templo, aos três anos, agiu mais para fazer o gosto de Joaquim e Ana - "Não seria necessário dizer sobre Ela coisas inverossímeis ou que não se sabem: por exemplo, que quando pequenininha se apresentou no Templo para oferecer-se ao Senhor com ardentes sentimentos de amor e extraordinário  fervor, quando, talvez, foi única e simplesmente para obedecer aos seus pais"[17] - Teresinha afirma a seu próprio respeito que, "desde os três anos de idade, nada recusei jamais ao Bom Deus"[18].

            Teresa desejava que todas as suas ações fossem INSPIRADAS E DIRIGIDAS PELO ESPÍRITO DE AMOR": disse um dia a uma das suas noviças: "Quero que (Nosso Senhor) se apodere de todas as minhas faculdades de tal maneira que de hoje em diante eu não faça mais ações humanas e pessoais, mas ações totalmente divinas, INSPIRADAS E DIRIGIDAS PELO ESPÍRITO DE AMOR"[19].

            Pela estrada dos sete dons, desde o dom do filial Temor de Deus até às alturas da divina Sabedoria e até à humildade de uma Pequenina Via e até à morte em êxtase de amor e por amor, o Divino Espírito Santo a inspirou e dirigiu, preparando a futura "Doutora do Amor Misericordioso", elevando-a, através da sensibilidade e dos escrúpulos, através da delicadeza de consciência e de um grande amor ao Pai, à Virgem Maria, que é "Mãe mais do que Rainha", e através de uma vida de grande amizade com os anjos e com todos os irmãos da Comunhão dos Santos.

    [1]. Is 11,1-2 (as traduções dos  LXX  e da Vulgata distinguem  "piedade" e "temor de Deus".)

    [2]. Guido  Stinissen  OCD Vivre l' Esprit Saint aujourd' hui em Kerit nº 138  p.17

    [3]. cf. Ibid p.15 e 18

    [4]. cf. 2Cor 4,4.6; Cl 1,15

    [5]. Rm 5,5

    [6]. Rm 8,15 e Gl 4,6

    [7]. Cf. Jo 3,8 e 1Cor 12,11

    [8]. Guido Stinissen OCD  o.c.  p.9

    [9]. cf. Gl 2,20

    [10]. S 3,2 - citado pelo Pe. Philipon OP  em  Santa Teresinha de Lisieux  "UM  CAMINHO  TODO  NOVO"  Gráfica Olímpica Editora  Rio de Janeiro  1954  p.217.

    [11]. Sto. Tomás 3º das Sentenças  D34  q.I  a.3 - citado pelo mesmo autor Ibid  p.216

    [12]. Carta do dia 23 de julho de 1888

    [13]. MA  188  fl.67v

    [14]. M. M. Philipon O.P.  La Doctrine Spirituelle de Sr. Elisabeth de la Trinité   Desclée de Brouwer  1955  p.93

    [15]. História de uma alma - Manuscritos Autobiográficos   MA 114  fl.36r Cf. At 2,2; 1Rs 19,12-13.

    [16]. Em  Santa Teresinha de Lisieux - UM  CAMINHO  TODO  NOVO    Gráfica Olímpica Editora  Rio de Janeiro  1954  p.212

    [17]. Cf. Folhas Amarelas ou Novissima Verba  23/08/1897.

    [18]. Conseils e Souvenirs 11 - Hoje Últimas Palavras

    [19]. Conseils et Souvenirs 55  (Hoje Últimas Palavras) - citado pelo Pe. Philipon