Província Carmelitana Fluminense
Venerável Ordem Terceira do Carmo
Sodalício de Saquarema, Rio de Janeiro
Retiro. 30 de novembro-2024
Frei Petrônio de Miranda, O. Carm e Paulo Daher
COM MARIA EM ORAÇÃO E MISSÃO (MAGNIFICAT – Lc 1, 46-55)
Paulo Daher
A minha alma glorifica ao Senhor
e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador.
Porque pôs os olhos na humildade da sua serva:
de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações.
O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas:
Santo é o seu nome.
A sua misericórdia se estende de geração em geração
sobre aqueles que O temem.
Manifestou o poder do seu braço
e dispersou os soberbos.
Derrubou os poderosos de seus tronos
e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens
e aos ricos despediu de mãos vazias.
Acolheu Israel seu servo,
lembrado da sua misericórdia,
como tinha prometido a nossos pais,
a Abraão e à sua descendência
para sempre.
O contexto do Magnificat é vocacional e missionário, nos inspira na ação libertadora, não podemos ficar somente na imagem poética deste belo hino de louvor a Deus, mas penetrarmos na mensagem que Maria nos proporciona. O Magnificat acontece, então, dentro da experiência missionária contemplando as maravilhas que Deus havia realizado também na vida de Isabel.
Inspirados pelas palavras de Maria, certamente observaremos o que a Regra nos pede: “viver em obséquio de Jesus Cristo”. Carmelo Missão, significa sair da comodidade, sair da zona de conforto, não ficar agarrado em si mesmo, seguir o Profeta Elias, caminhar sempre. É realizar algum serviço que resgate e promova a vida de muitos. O Cântico de Maria é referência bíblica também numa imagem que nos remete à dimensão missionária e é de muita importância no contexto atual. Maria nos ajuda e ensina que devemos buscar a libertação. A história da “visitação”, conforme Lc 1, 39-45, é um episódio mariano de missão e serviço, despojamento e solidariedade, sem perder de vista a realidade.
O Magnificat nasce da capacidade de Maria ser fraterna e solidária e essa disponibilidade chega ao ápice quando da sua tomada de decisão de ir ao encontro de Isabel. É o encontro de Deus com a comunidade na pessoa de maria que consigo carrega Jesus. “Minha alma louva o Senhor, exulta meu espírito em Deus, meu salvador”! No cântico, ela se revela como alguém que tem consciência da situação social e política em que se encontra seu povo.
Magnificat é um canto de louvor, de agradecimento, mas também mostra com clareza de que lado está Deus. O cântico de louvor a Deus é pela obra realizada, não só em Maria, mas para com a humanidade. Nos faz perceber a importância que os pobres e oprimidos têm na esperança em Deus. O Magnificat é profundamente otimista, transmite alegria. “Está em sintonia com a sincera oração dos pobres, daqueles que depositam sua esperança só em Deus, que conservam em seu coração a expectativa de ver o Messias como fez o velho Simeão” (cf. Don Antônio de Assis – Bispos Auxilias de Belém-PA – Artigo: A Oração de Maria -Magnificat - Lc 2, 25-29).
Lembramos da Libertatis Connscientia, nº 97, se refere a Maria: “imagem mais perfeita da liberdade e libertação da humanidade e do cosmo” e prossegue afirmando que Ela é “Mãe e Modelo” da Igreja no que diz respeito à “sua missão”. Maria conjuga fé e compromisso e assim se faz missionária e discípula de seu próprio Filho. É a mãe das missões, pois seu SIM nos ensina a ser seguidores e se somos seguidores de Jesus, devemos ser missionários da justiça e da paz, levando a Boa Nova a todos. São João Paulo II, em seu pronunciamento no Brasil, em 1980, disse: “Maria é fonte de vida cristã”, nos remete à tarefa missionária da prática evangélica libertadora.
A Regra da OTC, nº 34, nos ensina como exercer a dimensão do carmelo missão. “Acolher a Palavra com disponibilidade e adesão plena...inspira-lhes a fidelidade à missão, à ação animada pela caridade e pelo espírito de serviço e à efetiva cooperação na realização da obra de salvação”. Juntos a Maria caminham pelas estradas da história, atentos às autênticas necessidades humanas”.
Sendo assim, não poderíamos deixar de vislumbrar no Magnificat a face missionária-sócio-libertadora que Maria nos apresenta e que nos identifica com a disponibilidade e fidelidade à missão. É um misto de hino e cântico de ação de graças e que manifesta a ação voltada para a libertação ao mesmo tempo que louva a Deus pela vida. “O cântico de Maria proclama de forma profética, a ação transformadora de Deus nas relações sociais” (cf MURAD, 2012, p.78).
É importante contextualizar socialmente o magnificat, na medida em que o encontro de Maria com Isabel, representa o encontro de Maria com a comunidade; Deus vem ao encontro de seu povo e o liberta (trazJesus). É um cântico de libertação “numa situação de pobreza sócio-econôica, dominação sociopolítica, opressão ideológica” ( Mariologia Social, Clorovis Boof, p. 324). Como está nossa sociedade hoje?, conforme Lucas 1, 39-45. Este episódio mariano é missão e serviço, despojamento e solidariedade, mas também é acolhimento, é olhar contemplativo para a realidade. Maria conjuga fé e compromisso e assim se faz missionária de seu Filho.
“O Cãntico proclama de forma profética, a ação transformadora de Deus nas relações sociais” ( Murad, Maria toda de Deus e tão humana, p. 78). Então, representa a face missionária-sócio-transformadora que Maria nos apresenta, e se somos realmente devotos de Maria façamos o que Ela pede: “Fazei tudo o que meu Filho disser” (Jo 2, 1-10), isto representa a busca do próximo que precisa de nós, é o que chamo de “devoção comprometida”.
Numa perspectiva de divisão do texto, podemos vislumbrar três estruturas que são maneiras de Deus agir: a) derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; b) dispersa os soberbos de coração; c) enche os famintos de bens e despede os ricos de mãos vazias.
Lc 1, 51 – dispersa os soberbos de coração – trata-se da maneira de se portar na vida, são pessoas orgulhosas e prepotente. Maria viveu numa sociedade de opressão e sabe que este tipo de vida não traz benefício para os pobres. Em Lc 13, 30; 14,9, por exemplo, Jesus realiza a profecia do Magnicat ao proclamar que os últimos serão os primeiros.
Lc 1, 52 – derruba do trono os poderosos - na Bíblia trono significa poder político ( 2Sm 3,10). A apelação dos menos favorecidos para defender seus direitos encontramos em Is 1,10: “Ai daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem apressadamente sentenças de opressão, para negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres do meu povo, para fazer das viúvas a sua presa e despojar os órfãos”.
O que podemos perceber sobre o que Maria quer dizer com seu espírito profético? Afirmar que Deus tira o poder dos que o utilizam para o mal e restabelecer os despojados. Deus restitui a dignidade dos menos favorecidos com sua misericórdia e por isso |Maria canta que “Deus fez em mim maravilhas”, pois dela nasceu Jesus, aquele que veio para que todos tenham vida e vida plena, então o “anúncio profético de Maria se realiza na pregação e prática libertadora de Jesus...ressurreição é o supremo sinal de Deus que derruba do trono os poderosos e eleva os humildes”. (MURAD, Maria, toda de Deus e tão humana, 2012, p.80).
Lc 1,53 – enche de bens os famintos, despede os ricos de mãos vazias – diz respeito à conjuntura econômica da época, aqueles que não têm como se alimentar de forma satisfatória certamente não sobreviverá e terá problemas de saúde. Deus promete que todos terão como viver e Lucas nos mostra isso com alegria quando lemos em Atos 2,46, que os cristãos “partem o pão nas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração”.
Podemos, com o auxílio e exemplo de Maria, manifestar o pensamento e atitudes, numa prática de conversão, em ações que gerem vida; ações pessoais e coletivas que possam gerar frutos de compromisso com o cuidado com o nosso planeta, nas questões ambientais, políticas, sociais e econômicas.
O cântico de Maria mostra que ela é Mãe atenta e amorosa, mas ao mesmo tempo mulher forte e capaz de se comprometer com a realidade e, ainda hoje, continua sendo protagonista de nossa história nos estimulando no caminho da profecia e da missão evangelizadora de construir o Reino de Deus, “vivendo em obséquio de Jesus Cristo”, como nos mostra a espiritualidade carmelita.
Conforme Papa Francisco, “ Maria é a mulher orante e trabalhadora em Nazaré, mas também Nossa Senhora da Prontidão, a que sai “a pressa” (Lc1,39) da sua povoação para ir ajudar os outros. Esta dinâmica de justiça e ternura, de contemplação e de caminho para os outros faz dela um modelo eclesial de evangelização” ( Evangeli Gaudium, 2013, nº 288).
PARA REFLETIR
1 – Qual o perfil de Maria presente no Magnificat?
2 – Em que o Magnificat pode ajudar nossa experiência de oração?
3 – Em que o Magnificat pode nos ajudar, como carmelitas, em nossa missão?
4 – Quais aspectos da espiritualidade carmelita encontramos no Magnificat?