Dom Leomar Antônio Brustolin

Arcebispo de Santa Maria (RS)

 

A experiência cristã não se faz ao lado ou acima da história. Os dramas humanos, as angústias e os desafios da humanidade provocam a fé cristã para não fugir do mundo.  A lógica da encarnação de Deus no mundo, em Jesus Cristo, ordena à Igreja uma presença expressiva na sociedade, e não somente para suscitar utopias ou alimentar a transcendência. O Deus que assume a carne humana para a salvação de todos, atinge toda a realidade humana em sua multiforme existência. Assim, o Cristianismo preocupa-se tanto com as pessoas individualmente, dando-lhes sentido para a existência, quanto com as comunidades e sociedades, com as relações que determinam e legitimam a vida do indivíduo como ser criado para a comunhão e não para a solidão.

No confronto entre a mensagem evangélica e as vicissitudes históricas não pode haver neutralidade ou indiferença. Todas as formas de exclusão, injustiça, violência e mentira afetam profundamente o ser cristão e por isso geram posições e atitudes que desmascaram as forças que desumanizam.

Não é possível conceber, então, a fé cristã sem o serviço na construção de um mundo justo e fraterno. Esperar o Reino em plenitude, separando fé e justiça, Evangelho e vida, espiritualidade e compromisso social, seria uma redução perigosa ao próprio conteúdo da fé que não separa o amor a Deus do amor ao próximo.  A comunhão com Deus, portanto, exige uma reorientação total da presença do ser humano na sociedade e de sua ação sobre o mundo. Isso implica em valorizar a vida desde a fecundação até o seu fim natural, com olhar bem atento às necessidades dos pobres e sofredores. Tais posicionamentos não impedem que os cristãos sejam mal interpretados e até perseguidos.

Um conhecido texto da Antiguidade, a Carta a Diogneto, sintetiza essa condição do cristão no mundo: “Os cristãos, de fato, não se distinguem dos outros homens, nem por sua terra, nem por língua ou costumes. Com efeito, não moram em cidades próprias, nem falam língua estranha, nem têm algum modo especial de viver. Sua doutrina não foi inventada por eles, graças ao talento e especulação de homens curiosos, nem professam, como outros, algum ensinamento humano. Pelo contrário, vivendo em cidades gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e ao resto, testemunham um modo de vida social admirável e, sem dúvida, paradoxal. Vivem na sua pátria, mas como forasteiros; participam de tudo como cristãos e suportam tudo como estrangeiros. Toda pátria estrangeira é pátria deles, e cada pátria é estrangeira.”

Os cristãos vivem no mundo, mas sabem que sua pátria é o Reino de Deus, contudo, têm consciência de que devem testemunhar o Eterno em meio às realidades terrestres, por isso se comprometem na busca de um mundo mais justo e fraterno, e trabalham por um humanismo integral e solidário. Fonte: https://www.cnbb.org.br